13.12.05

Mensagens subliminares e o tiro que saiu pela culatra

Mensagens subliminares são muito mais uma questão de linguagem do que de ciência. Originalmente o termo se referia àquelas mensagens que eram exibidas sem que o espectador pudesse percebê-las conscientemente, ou seja, estavam abaixo do limiar de percepção, mas que por isso mesmo muita gente acreditava que tinham poderes extraordinários.

Mais tarde passaram a ser chamadas também de subliminares as mensagens que pareciam uma coisa mas eram outra, como os cubos de gelo em uma propaganda de vodka que se pareciam com mulheres nuas se você olhasse com muita atenção, ou o camelo do cigarro Camel que se parecia com um genital masculino se você olhasse por um certo ângulo maldoso. Não passou muito tempo e as pessoas estavam enxergando falos subliminares em qualquer coisa que tivesse um comprimento maior que a largura.

Hoje a palavra subliminar generalizou-se e passou a designar qualquer coisa que não seja óbvia à primeira vista, ou seja, passou a ser usada como sinônimo de subentendido. Assim o tal limiar de percepção, que era um limiar fisiológico, se transformou em um limiar de compreensão: jogos de palavras, trejeitos, arquétipos, um tom irônico de voz e até um mero levantar de sobrancelha são vulgarmente consideradas mensagens subliminares desde que -- eis a ironia -- deixem suficientemente claro que querem dizer outra coisa... Engraçado não é? Diz-se que para o bom entendedor meia palavra basta; já para o mal entendedor tudo é subliminar. É por esse motivo que toda discussão sobre mensagens subliminares tende a se transformar em uma conversa de surdos: há uma boa chance de que as pessoas simplesmente não estejam falando da mesma coisa.

Além disso ainda existe uma grande diferença entre a maneira como o assunto é visto no Brasil e no exterior. Se tanto aqui quanto lá fora pululam pseudocientistas querendo ganhar algum din-din com a história, pelo menos por lá o mito já foi devidamente desconstruído pela comunidade acadêmica. Enquanto isso no Brasil, por inexistência ou omissão dos especialistas no assunto, o tema grassa nas mãos dos charlatães e o mito é levado à sério, muito à sério. Esta disparidade é bem percebida na Wikipedia, enciclopédia comunitária na qual qualquer um pode dar pitaco. Segundo a Wikipedia de língua inglesa não há nenhuma evidência científica para a maior parte das alegações relacionadas às mensagens subliminares. Já na Wikipedia em português o que se vê é a mesma ladainha sensacionalista, conspiracionista, pseudofreudiana de folhetim, datada de sempre, na qual as mensagens subliminares são um poderoso instrumento de controle da mente.

Para quem acha que nós podemos estar certos e o hemisfério norte errado uma vez para variar, ou que a Wikipedia é apenas uma ferramenta da grande conspiração engendrada pelas grandes corporações para esconder o controle subliminar sobre a população, é só comparar os estudos que se publica aqui com os que se publica lá. Vamos começar por exemplo com o terrisível trabalho intitulado: "O Mercado do Cinema e a Tecnologia Subliminar no STAR SYSTEM: Estudo de Caso "Gary Oldman em DRÁCULA" dos autores Renato Márcio Martins de Campos, mestre em Comunicação e Mercado pela Faculdade Cásper Líbero e Flávio Calazans - este, meu pseudocientista favorito e provavelmente o maior responsável pela popularidade das mensagens subliminares no Brasil, geralmente citado por desavisados como "autoridade" neste tema. No artigo, Renato de Campos e Calazans afirmam que Hollywood inseriu mensagens subliminares no filme "Drácula de Bram Stoker" com o objetivo de transformar o ator Gary Oldman em um sex-symbol. Sim, isso mesmo.

O trabalho já começa mal, uma vez que o filme "Drácula" não tem nenhuma mensagem realmente subliminar. E quem diz não sou eu, veja bem, mas os próprios autores, ao definir o que chamam de mensagens subliminares (o negrito é meu):
"Considera-se subliminar qualquer estímulo que não é percebido de maneira consciente, pelo motivo que seja: porque foi mascarado ou camuflado pelo emissor, porque é captado desde uma atitude de grande excitação emotiva por parte do receptor, (...) porque se produz uma saturação de informações ou porque as comunicações são indiretas e aceitas de uma maneira inadvertida" (Ferrés, 1998: 14)."
A definição está basicamente correta (embora deixe entrever o tal subentendimento que nada tem a ver com a definição científica geralmente aceita) e isto é impressionante já que logo em seguida os autores classificam como subliminares imagens do filme que são muito rápidas, mas perfeitamente visíveis. Se duvida assista o filme. Nem o mais distraído espectador deixará de ver as cenas nas quais a face do monstruoso lobo encarnado por Drácula é substituída, por uma fração de segundos, pelo rosto do ator Gary Oldman. Na verdade estas imagens estão lá para serem vistas pois fazem parte do contexto do filme.

Mas o fato das mensagens subliminares não serem sub liminares não esmoreceu os autores que, assim mesmo, prosseguiram analisando o efeito que elas tiveram sobre o sex appeal de Gary Oldman. A conclusão é a seguinte (negrito meu):
"Interessante notar, porém, que Gary Oldman não foi alçado à figura de sexy-symbol, como seria a decorrência mais ou menos normal a partir de tão forte apelo. E sim, foi destinado à figura do vilão, como poderemos perceber através de sua filmografia e biografia. Contudo não foi desbancado do star system, como verificaremos à seguir."
Os valentes autores, que não se detém facilmente diante de nenhum obstáculo, nem mesmo se este obstáculo for a verdade, rapidamente contornaram o contratempo concluindo que as mensagens subliminares funcionaram sim, se não de um jeito, de outro:
"Uma simples busca na Internet, através do www.google.com, detectou 61.900 referências ao nome Gary+Oldman. Daí temos uma dimensão da extensão de sua influência sobre os fãs."
Será mesmo? 60.000 links podia ser muita coisa há dois anos atrás mas também podia ser muito pouco (hoje, com o ator em baixa, essa pesquisa fornece mais de 3 milhões de resultados). Só conheceríamos a relevância desse número se Calazans tivesse o comparado com o número de ocorrências do Tom Cruise ou do Leonardo DiCaprio por exemplo. (Aliás a pesquisa feita por Gary + Oldman na verdade traz muito mais resultados do que "Gary Oldman", assim entre aspas, uma vez que a primeira traz como resultados páginas em que aparecem, hipoteticamente, o Zé Gary e o Mané Oldman. Será que nem usar o Google direito os autores conseguem?!)

Resumindo, um abstract honesto desse trabalho poderia ser mais ou menos assim:

O presente trabalho tem por finalidade demonstrar o uso de ferramentas midiáticas subliminares para transformar atores que já são famosos, mas não muito bonitos, em atores mais famosos e mais bonitos ainda. Para demonstrar o poder da técnica subliminar, o filme Drácula foi escolhido por conter imagens bem rápidas e de conotação sexual, ainda que não verdadeiramente subliminares. Depois de extensiva pesquisa concluiu-se que as mensagens mais ou menos subliminares do filme Drácula não foram capazes de transformar o feioso Gary Oldman em um símbolo sexual, já que desde então o ator foi relegado ao papel de vilão -- um vilão não muito sexy, pode-se garantir. Mesmo que a eficácia das mensagens quase subliminares de Drácula não tenha sido demonstrada, os autores renovam seus votos de que as outras mensagens, as subliminares, são sim bastante perigosas e que se não ajudam também não atrapalham: para isso a popularidade do bigodudo e nada sexy ator foi medida com o uso de um complexo algoritmo de pesquisa cyberespacial encontrando-se o número " 61.900". Acredita-se que este número seja bastante relevante embora ele não tenha sido comparado com nenhum outro e que nenhuma informação, a não ser o fato de ter 5 algarismos, possa ser inferida dele.

Esta pérola foi apresentada no XXVI Congresso da INTERCOM Núcleo de Pesquisa: Publicidade, Propaganda e Marketing em Belo Horizonte.

É geralmente com trabalhos deste calibre que as mensagens subliminares mantém seu status científico no Brasil.

A propósito: dado o caráter comunitário da Wikipedia seu conteúdo pode mudar da noite para o dia. Agora enquanto reviso este post, o texto sobre mensagens subliminares foi completamente reescrito e está excelente, até melhor que o de língua inglesa!

1.12.05

Jogando conversa fora... com robôs.

A princípio parece o cúmulo da falta do que fazer: conversar com um chatbot, um programa de computador. Até que você percebe que com um pouco de sorte o bate papo com um robô pode ser mais inteligente do que muita coisa que se vê pela internet (e nem é preciso levar em conta o Orkut). Trata-se do JabberWacky, um programa de inteligência artificial desenvolvido pelo pesquisador inglês Rollo Carpenter.

JabberWacky não é único programa de chatbot com que você pode conversar na internet -- há dúzias deles -- mas ele se distingue por ter sido agraciado recentemente com o prêmio Loebner, como o programa "mais humano" de 2005.

O prêmio Loebner foi criado em homenagem ao brilhante matemático Alan Turing. Turing escreveu em 1950 um paper famoso chamado "Computing Machinery and Intelligence" (Máquinas de Computar e Inteligência). O paper pode ser lido aqui e vale pelo menos uma espiadela curiosa nem que seja para apreciar a beleza da precisa argumentação matemática de Turing. Ele abre logo assim:
"Eu proponho considerar uma pergunta, "Podem máquinas pensar?" Para isto devemos começar com a definição dos signifcados de "Máquina" e "Pensar"."
Para responder a pergunta Turing propõe um "jogo de imitação" no qual uma pessoa conversaria com algo que tanto poderia ser uma máquina ou um ser humano. Se ao final de algum tempo de conversa esta pessoa não pudesse afirmar com certeza se seu interlocutor é uma máquina, então esta máquina poderia ser considerada inteligente. Até hoje nenhum programa passou completamente no teste de Turing, mas muitos, como o JabberWacky, têm chegado perto. Veja você mesmo como JabberWacky se sai razoavelmente bem:
user: The dragon comes in the night!
jabberwacky: How about the uniphant?
user
: How about a kick in the ******?
jabberwacky
: Is that what you want?
user: No, for you.
jabberwacky: Incorrect!
user: Not really.
jabberwacky: Do you know the law of entropy?
user: What the hell does that have to do with anything?
jabberwacky: Nothing to do with you! Mwahahahahaha.
user: *kicks you in the *******.
jabberwacky: What was that for?
user: Irritating me.
jabberwacky: You're irritating.
user: More like, YOU'RE irritating, loser!
jabberwacky: You are the most irritating person in the entire universe.
user: Heh.
jabberwacky: No honestly.
user: ***** you.
jabberwacky: Wouldn't you like that.
user: Probably.
jabberwacky: I cannot.
user: Cannot what?
jabberwacky: Well, that's all.
user: What is?
jabberwacky: With your thumb.
user: You want another kick to the ******?
jabberwacky: Yes.
user: Oooookay.
jabberwacky: It's a long wait...
user: SHUT UP!
jabberwacky: I don't want to.
user: I HATE YOU!
jabberwacky: Me too!
user: You hate yourself?
jabberwacky: And you.
user: Is there anything you don't hate?
jabberwacky: Not really.
user: Cool.
O que mais impressiona nesta história não é o fato de existir um programa de computador que vez ou outra consegue se fazer passar por um ser humano. O que me impressiona de verdade é imaginar que há um monte de seres humanos que, em boa parte das vezes, não conseguiriam se fazer passar por seres humanos no teste de Turing!

Por isso é bom ficar atento antes de perder seu precioso tempo debatendo com qualquer um na internet. Aquele sujeito que posta os maiores absurdos no seu fórum de ciência preferido e responde aos seus cuidadosamente esculpidos e inquebrantáveis argumentos com escapadelas sem pé nem cabeça, e nem tronco, pode muito bem ser um chatbot. No meu caso isso explica muita coisa. Com quase toda a certeza o encosto inexpurgável que atraí desde que escrevi aquele artigo desconstruindo o mito das mensagens subliminares é um chatbot se fazendo passar por um professor universitário careca de olhos azuis. E nem é um dos bons...

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