Edmundo, o Céptico
Cecília Meireles
Basicamente o texto se chama "Edmundo, o Céptico" mas bem que poderia se chamar "Edmundo, o Chato".
Edmundo é um cara que não aceita "sim" como resposta. Duvida de tudo e de todos e está sempre disposto a ir às últimas consequências para descobrir a verdade, mesmo que isso signifique colocar sua cabeça nos trilhos de um trem para descobrir se pode parar uma locomotiva em movimento. Edmundo é um bocado burro.
Edmundo não confia muito na ciência também, pois esteve às voltas com o moto contínuo; na certa duvidou do seu professor de física que lhe ensinou entropia e segunda lei da termodinânica tanto quanto de seu professor de catecismo. Edmundo é um radical patológico.
Edmundo é um sujeito bastante inadequado. Alguém que não vê a diferença entre um mágico que entretém as pessoas com truques e um charlatão que usa os mesmos truques para explorar a fé e dor alheia, só pode mesmo ser um mala sem alça.
Edmundo morreu cedo, ateu certamente, o que talvez Cecília desconfie quando pergunta, quase aflita, "quem sabe, meu Deus, com que verdades?"
Pois Edmundo representa o esteriótipo que aqueles que lutam pela razão e pelo pensamento crítico, e infelizmente exercem o ofício de duvidar, precisam se libertar para se estabelecer como movimento sério e responsável nesse país.
"Naquele tempo, nós não sabiamos o que fosse cepticismo. Mas Edmundo era céptico. As pessoas aborreciam-se e chamavam-no de teimoso. Era uma grande injustiça e uma definição errada.
Ele queria quebrar com os dentes os caroços de ameixa, para chupar um melzinho que há lá dentro. As pessoas diziam-lhe que os caroços eram mais duros que os seus dentes. Ele quebrou os dentes com a verificação. Mas verificou. E nós todos aprendemos à sua custa. (O cepticismo também tem o seu valor!)
Disseram-lhe que, mergulhando de cabeça na pipa d'água do quintal, podia morrer afogado. Não se assustou com a idéia da morte: queria saber é se lhe diziam a verdade. E só não morreu porque o jardineiro andava perto.
Na lição de catecismo, quando lhe disseram que os sábios desprezam os bens deste mundo, ele perguntou lá do fundo da sala: "E o rei Salomão?" Foi preciso a professora fazer uma conferência sobre o assunto; e ele não saiu convencido. Dizia: "Só vendo." E em certas ocasiões, depois de lhe mostrarem tudo o que queria ver, ainda duvidava. "Talvez eu não tenha visto direito. Eles sempre atrapalham." (Eles eram os adultos.)
Edmundo foi aluno muito difícil. Até os colegas perdiam a paciência com as suas dúvidas. Alguém devia ter tentado enganá-lo, um dia, para que ele assim desconfiasse de tudo e de todos. Mas de si, não; pois foi a primeira pessoa que me disse estar a ponto de inventar o moto contínuo, invenção que naquele tempo andava muito em moda, mais ou menos como, hoje, as aventuras espaciais.
Edmundo estava sempre em guarda contra os adultos: eram os nossos permanentes adversários. Só diziam mentiras. Tinham a força ao seu dispor (representada por várias formas de agressão, da palmada ao quarto escuro, passando por várias etapas muito variadas). Edmundo reconhecia a sua inutilidade de lutar; mas tinha o brio de não se deixar vencer facilmente.
Numa festa de aniversário, apareceu, entre números de piano e canto (ah! delícias dos saraus de outrora!), apareceu um mágico com a sua cartola, o seu lenço, bigodes retorcidos e flor na lapela. Nenhum de nós se importaria muito com a verdade: era tão engraçado ver saírem cinqüenta fitas de dentro de uma só... e o copo d'água ficar cheio de vinho...
Edmundo resistiu um pouco. Depois, achou que todos estávamos ficando bobos demais. Disse: "Eu não acredito!" Foi mexer no arsenal do mágico e não pudemos ver mais as moedas entrarem por um ouvido e saírem pelo outro, nem da cartola vazia debandar um pombo voando... (Edmundo estragava tudo. Edmundo não admitia a mentira. Edmundo morreu cedo. E quem sabe, meu Deus, com que verdades?)"
Texto extraído do livro "Quadrante 2", Editora do Autor - Rio de Janeiro, 1962, pág. 122.fonte
Basicamente o texto se chama "Edmundo, o Céptico" mas bem que poderia se chamar "Edmundo, o Chato".
Edmundo é um cara que não aceita "sim" como resposta. Duvida de tudo e de todos e está sempre disposto a ir às últimas consequências para descobrir a verdade, mesmo que isso signifique colocar sua cabeça nos trilhos de um trem para descobrir se pode parar uma locomotiva em movimento. Edmundo é um bocado burro.
Edmundo não confia muito na ciência também, pois esteve às voltas com o moto contínuo; na certa duvidou do seu professor de física que lhe ensinou entropia e segunda lei da termodinânica tanto quanto de seu professor de catecismo. Edmundo é um radical patológico.
Edmundo é um sujeito bastante inadequado. Alguém que não vê a diferença entre um mágico que entretém as pessoas com truques e um charlatão que usa os mesmos truques para explorar a fé e dor alheia, só pode mesmo ser um mala sem alça.
Edmundo morreu cedo, ateu certamente, o que talvez Cecília desconfie quando pergunta, quase aflita, "quem sabe, meu Deus, com que verdades?"
Pois Edmundo representa o esteriótipo que aqueles que lutam pela razão e pelo pensamento crítico, e infelizmente exercem o ofício de duvidar, precisam se libertar para se estabelecer como movimento sério e responsável nesse país.
8 Comments:
Nao deixe de continuar postando. Muito legal o blog.
Ótimo texto!
Não encontraria melhor forma de mostrar aos pseudo-céticos (céticos revoltados ou dogmáticos) o quanto eles etsão equivocados.
Abraços.
Pois é, infelizmente temos muitos Edmundos por aí...
o edmundo é um chato mesmo, mas é literatura!
Puxa! Obrigado pela relembrança desse texto da minha infância (se não me engano da coleção Para Gostar de Ler).
Parabéns pelo blog.
Nossa!!!
Eu lembro muito bem deste texto num livro de português que estudei na 6ª série. Boas lembranças de meu colégio em MG.
Oi. Vim parar aqui no seu blog porque eu mesmo sou um Edmundo... e não acredito que seu blog seja tão bom!
Faz quatro anos que você escreveu este post, Widson... mas eu continuo achando um dos seus melhores!
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