27.9.05

O Devanear de um Céptico

Confesso que não tenho uma mente habilitada para poesias, mas esta me chamou a atenção. É de Bernardo Guimarães e transcrevo somente os trechos mais interessantes. Está toda aqui.
Ó mortal, por que assim teus olhos cravas
Na abóbada do céu? - Queres ver nela
Decifrado o mistério inescrutável
Do teu ser, e dos seres que te cercam?
Em vão seu pensamento audaz procura
Arrancar-se das trevas que o circundam,
E no ardido vôo abalançar-se
Às regiões da luz e da verdade;
(...)

Oh! feliz quadra aquela, em que eu dormia
Embalado em meu sono descuidoso
No tranqüilo regaço da ignorância;
Em que minh'alma, como fonte límpida
Dos ventos resguardada em quieto abrigo,
Da fé os raios puros refletia!
Mas num dia fatal encosto à boca
A taça da ciência - senti sede
Inextinguível a crestar-me os lábios;
Traguei-a toda inteira -, mas encontro
Por fim travor de fel - era veneno,
Que no fundo continha -, era incerteza!
Oh! desde então o espírito da dúvida,
Como abutre sinistro, de contínuo
Me paira sobre o espírito, e lhe entorna
Das turvas asas a funérea sombra!
De eterna maldição era bem digno
Quem primeiro tocou com mão sacrílega
Da ciência na árvore vedada
E nos legou seus venenosos frutos...
(...)

Ó pálidos fanais, trêmulos círios,
Que nas esferas guiais da noite o carro,
Planetas, que em cadências harmoniosa
No éter cristalino ides boiando,
Dizei-me - onde está Deus? - sabeis se existe
Um ente, cuja mão eterna e sábia
Vos esparziu pela extensão do vácuo,
Ou do seio do caos desabrochastes
Por insondável lei do cego acaso?
Conheceis esse rei, que rege e guia
No espaço infindo vosso errante curso?
Eia, dizei-me, em que regiões ignotas
Se eleva o trono seu inacessível?

Mas em vão interrogo os céus e os astros,
Em vão do espaço a imensidão percorro
Do pensamento as asas fatigando!
Em vão - todo o universo imóvel, mudo,
Sorrir parece de meu vão desejo!
Dúvida - eis a palavra que eu encontro
Escrita em toda a parte - ela na terra,
E no livro dos céus vejo gravada,
É ela que a harmonia das esferas
Entoa sem cessar a meus ouvidos!
(...)

Filosofia, dom mesquinho e frágil,
Farol enganador de escasso lume,
Tu só geras um pálido crepúsculo,
Onde giram fantasmas nebulosos,
Dúbias visões, que o espírito desvairam
Num caos de intermináveis conjeturas.
Despedaça essas páginas inúteis,
Triste apanágio da fraqueza humana,
Em vez de luz, amontoando sombras
No santuário augusto da verdade.
Um palavra só talvez bastara
Pra saciar de luz meu pensamento;
Essa ninguém a sabe sobre a terra!...
(...)

Se ao menos eu soubesse que co'a vida
Terminariam tantas incertezas,
Embora os olhos meus além da campa,
Em vez de abrir-se para a luz perene,
Fossem na eterna escuridão do nada
Para sempre apagar-se... - mas quem sabe?
Quem sabe se depois desta existência
Renascerei - pra duvidar ainda?!...

Angustiante ser levado à descrença pela ciência. Este poema enche uma bela aula de literatura e sobra para outra de filosofia. Quem sou eu para arranhar qualquer uma das duas...

1 Comments:

Anonymous Anônimo said...

Corrige no último radar Ockham, no artigo "O que Darwin diria", no finnalzinho, tem um "êm", ao invés de "têm".

1:40 AM  

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