A Raposa e a máquina de movimento contínuo
Depois das inevitáveis e intermináveis festas de natal e ano novo o blog está de volta.
Esta época do ano costuma ser minha época mais produtiva do que diz respeito a produção de divulgação científica (sim, acho que se pode dizer que este é o meu hobby). É nesta época que eu geralmente coloco a leitura em dia e escrevo a maior parte dos artigos que saem no Projeto Ockham e, outrora, no catatônico Pipoca com Ciência (que é provavelmente a idéia mais legal que eu e o Alexandre Taschetto já tivemos, mesmo que a idéia tenha sido dele e eu tenha entrado só com o nome).
Este ano duas coisas mudaram tudo. Não houve férias para mim ("muito trabalho sem diversão faz de Jack um bobão") e minha pilha de livros sofreu a concorrência desleal da coisa mais viciante sob o sol desde a invenção da coca cola light: um Playstation 2. (Ok, então houve alguma diversão...).
De qualquer maneira o livro que frequentou minha cabeceira, além do Walkthrough do Resident Evil 4, foi o "Cientistas e Vigaristas" de Robert Silveberg, um livrinho sensacional que encontrei no sebo pelo preço exato de duas coca-colas light. Publicado originalmente nos anos 60 e no Brasil em 1971, o livro de capa cartoonesca, que inclui até uma pin-up de peitos de fora, conta a história de grandes vigarices feitas contra ou em nome da ciência. Algumas das histórias são "O espantoso magnetismo do Dr. Mesmer", "O caso do homem macaco da Venezuela" e "A serpente marinha do Dr. Koch" por exemplo. Aliás se você quiser ler o livro em inglês sem gastar o dinheiro das coca-colas light é só dar uma passada aqui (tem que fornecer email).
Não sei se por causa do estilo meio arcaico da tradução ou por causa de um certo clima de que o bem sempre vence o mal, mas a partir de um ponto do livro comecei a perceber que era possível ler as histórias como se elas encerrassem uma moral, como numa coleção de fábulas só que com cientistas e vigaristas no lugar das formigas e cigarras e outros animais falantes.
Por exemplo, uma das histórias eu contaria assim:
"Era uma vez uma raposa que gostava de inventar coisas. Certa vez a raposa inventora reuniu os animais mais ricos da floresta para lhes falar como havia inventado uma máquina que podia funcionar para sempre, produzindo mais energia do que consumia. Os outros animais retrucaram dizendo que a ciência havia provado que isso era uma coisa impossível, mas a cada objeção a Raposa respondia com termos muito bonitos e muito impressionantes como "harmônicos quádruplos", "desintegração elétrica", "tríplices atômicos" e "hidropneumática de pulsação à vácuo", que deixavam todos de boca aberta. Ela lhes falava de como sua máquina retirava energia dos átomos fazendo-os vibrar em únissono. Esta força a Raposa chamou de "força etérica" e segundo ela bastava um dedal de água para gerar uma força 40 vezes maior do que a do sr. Cavalo. O Cavalo duvidou mas os outros bichos aplaudiram.
E havia a demonstração é claro: a raposa colocava um copo d'água dentro do reservatório e sua máquina (ou melhor, uma miniatura dela) roncava, rangia, fazia fumaça e vergava barras de ferro como nem o leão conseguia.
Os animais ficaram extasiados. Aquela era uma grande época para se investir em invenções mirabolantes; um macaco recentemente havia inventado o telefone, um outro o fonógrafo, e um terceiro (como eram espertos esses macacos!) o cinema. E ainda havia os carros, as estradas de ferro, as máquinas à vapor e as siderúrgicas! Todos estavam à cata da próxima maravilha tecnológica que mudaria o mundo. E ali, na frente deles, estava a Raposa, tão eloqüente, e com tantas palavras difíceis na ponta da língua. Ela devia saber o que falava! E assim os bichos atiraram à raposa mais dinheiro do que ela tinha sonhado conseguir.
Com tanto dinheiro a raposa abriu uma escritório no ponto mais nobre da floresta e passou a levar um estilo de vida condizente com sua posição na empresa que fundara, a Fox Motor Company: casas enormes, carros luxuosos, tudo menos casacos de pele tinha a raposa que agora, além de inteligente, era muito rica. O dinheiro que sobrava a raposa usava para construir máquinas mais e mais complexas, mas que, estranhamente, nunca ficavam completamente prontas. Sempe havia necessidade de mais dinheiro e toda vez que ele estava acabando a Raposa reunia seus investidores, apresentava relatórios que esbanjavam daquelas palavras bonitas e difíceis, prometia que estava chegando perto de revolucionar o mundo e acabava por convencer os animais a lhe darem ainda mais dinheiro.
Os anos foram passando e os animais ficando cada vez mais impacientes, afinal todos os que haviam investido nos macacos inventores estavam ganhando muito dinheiro, mas até agora a Raposa não tinha dado nenhum retorno. Quando os investidores ficavam mais exaltados e ameaçavam pular fora, lhes falava a Galinha, um dos animais mais empolgados com a invenção da Raposa e insistia para que mantivessem firme sua confiança na inventora Raposa.
Um certo dia a Raposa reuniu seus investidores e lhes apresentou um aparelho que chamava de "Ressonador Móvel", um amontoado de arames, fios, e condutores dentro de uma esfera de aço que parecia muito com o sr. Porco Espinho. A Raposa radiante explicou que o ressonador "comportava sete diferentes vibrações, cada uma delas capaz de uma divisão infinitesimal". Ninguém entendeu nada, como usual, mas a magia daquelas palavras lhes pareceu uma coisa muito certa. "Maravilhoso! mostre-nos como funciona" disse o Tamanduá. E a Raposa pôs a máquina para funcionar tocando seu violino (mas ela também podia ter seu movimento iniciado por uma harpa ou um diapasão comum, explicou a Raposa). "Fantástico!, vamos patentear esta máquina agora mesmo" disse o Guaxinim. "Nunca!" retrucou a Raposa muito ofendida. "A máquina ainda não está pronta e patenteá-la seria revelar seu funcionamento aos urubus, bichos que, como se sabe, só fazem agourar e roubar as idéias das outras pessoas.
E assim o tempo ia passando até que um dia a Coruja, um animal muito cético e que escrevia para uma revista famosa chamada "O bicho científico", escreveu um artigo junto com alguns castores, bichos engenheiros por natureza, desmentindo a Raposa e dizendo que tudo o que a máquina dela fazia podia ser feito com uma fonte de ar-comprimido escondida. A Raposa ficou furiosa e disse que aquilo era tudo inveja e que a Coruja e os castores só tinham escrito aquilo porque não eram capazes de se medir com ela. Lembrou a todos como tinham sido perseguidos e caluniados os bichos com idéias revolucionárias, como aquele que disse que o mundo era redondo e também aquele outro que descobriu a América. E para apaziguar os ânimos, que ameaçavam escapar do controle, a Raposa distribuiu aos seus agoniados e agora mui abalados investidores os diagramas de funcionamento da sua máquina. Claro que tanto fazia estar em grego ou em língua de bicho porque ninguém foi capaz de entender nada.
Vinte e seis anos se passaram e a Raposa nunca aprontou sua máquina de energia éterica, nunca patenteou um único invento e nunca deu nenhum retorno aos animais, seus investidores. Um dia a Raposa morreu.
Passado um tempo morreu também a Galinha, a fã número um da Raposa. Seu filho, o Pinto, alugou o escritório da Raposa defunta e pôs-se a procurar pela máquina ou por pistas de como ela funcionava. Encontrou o que queria: no sotão havia um grande globo de aço e dentro dele um dispositivo de ar comprimido e de dentro dele tubos e canos que iam em direção ao laboratório, tudo como a Coruja e os castores haviam dito na revista "O bicho científico". Estava resolvido o mistério; a Raposa era uma impostora e tinha enganado geral a bicharada durante mais de vinte e cinco anos.
O que aconteceu em seguida foi engraçado... Estranhamente os bichos que haviam investido milhares e milhares de dólares mantendo o estilo luxuoso de vida da Raposa por 26 anos sem ter recebido um centavo em troca, se recusaram a acreditar que tinham sido enganados. Na opinião deles o Pinto estava amargurado porque sua mãe investira todos os seus bens na Fox Motors Company e isto distorcia seu julgamento a respeito da genial Raposa, que deus a tenha.
E assim todos os bichos seguiram acreditando, e muitos acreditam até hoje (especialmente as tartarugas, que vivem um bocado), que se a Raposa não tivesse morrido teria revelado ao mundo uma nova e revolucionária forma de energia"
Moral da história: Quanto mais uma verdade nos faz parecer imbecis menos verdadeira ela nos parece.
Em tempo: a Raposa se chamava Dr. Jonh Worrel Keely, a Galinha era a sra. Jessup Blomfield Moore, seu filho Pinto era Clarence B. Moore e os macacos eram Thomas Edison e Graham Bell. Os outros são figurantes.
Esta época do ano costuma ser minha época mais produtiva do que diz respeito a produção de divulgação científica (sim, acho que se pode dizer que este é o meu hobby). É nesta época que eu geralmente coloco a leitura em dia e escrevo a maior parte dos artigos que saem no Projeto Ockham e, outrora, no catatônico Pipoca com Ciência (que é provavelmente a idéia mais legal que eu e o Alexandre Taschetto já tivemos, mesmo que a idéia tenha sido dele e eu tenha entrado só com o nome).
Este ano duas coisas mudaram tudo. Não houve férias para mim ("muito trabalho sem diversão faz de Jack um bobão") e minha pilha de livros sofreu a concorrência desleal da coisa mais viciante sob o sol desde a invenção da coca cola light: um Playstation 2. (Ok, então houve alguma diversão...).
De qualquer maneira o livro que frequentou minha cabeceira, além do Walkthrough do Resident Evil 4, foi o "Cientistas e Vigaristas" de Robert Silveberg, um livrinho sensacional que encontrei no sebo pelo preço exato de duas coca-colas light. Publicado originalmente nos anos 60 e no Brasil em 1971, o livro de capa cartoonesca, que inclui até uma pin-up de peitos de fora, conta a história de grandes vigarices feitas contra ou em nome da ciência. Algumas das histórias são "O espantoso magnetismo do Dr. Mesmer", "O caso do homem macaco da Venezuela" e "A serpente marinha do Dr. Koch" por exemplo. Aliás se você quiser ler o livro em inglês sem gastar o dinheiro das coca-colas light é só dar uma passada aqui (tem que fornecer email).
Não sei se por causa do estilo meio arcaico da tradução ou por causa de um certo clima de que o bem sempre vence o mal, mas a partir de um ponto do livro comecei a perceber que era possível ler as histórias como se elas encerrassem uma moral, como numa coleção de fábulas só que com cientistas e vigaristas no lugar das formigas e cigarras e outros animais falantes.
Por exemplo, uma das histórias eu contaria assim:
"Era uma vez uma raposa que gostava de inventar coisas. Certa vez a raposa inventora reuniu os animais mais ricos da floresta para lhes falar como havia inventado uma máquina que podia funcionar para sempre, produzindo mais energia do que consumia. Os outros animais retrucaram dizendo que a ciência havia provado que isso era uma coisa impossível, mas a cada objeção a Raposa respondia com termos muito bonitos e muito impressionantes como "harmônicos quádruplos", "desintegração elétrica", "tríplices atômicos" e "hidropneumática de pulsação à vácuo", que deixavam todos de boca aberta. Ela lhes falava de como sua máquina retirava energia dos átomos fazendo-os vibrar em únissono. Esta força a Raposa chamou de "força etérica" e segundo ela bastava um dedal de água para gerar uma força 40 vezes maior do que a do sr. Cavalo. O Cavalo duvidou mas os outros bichos aplaudiram.
E havia a demonstração é claro: a raposa colocava um copo d'água dentro do reservatório e sua máquina (ou melhor, uma miniatura dela) roncava, rangia, fazia fumaça e vergava barras de ferro como nem o leão conseguia.
Os animais ficaram extasiados. Aquela era uma grande época para se investir em invenções mirabolantes; um macaco recentemente havia inventado o telefone, um outro o fonógrafo, e um terceiro (como eram espertos esses macacos!) o cinema. E ainda havia os carros, as estradas de ferro, as máquinas à vapor e as siderúrgicas! Todos estavam à cata da próxima maravilha tecnológica que mudaria o mundo. E ali, na frente deles, estava a Raposa, tão eloqüente, e com tantas palavras difíceis na ponta da língua. Ela devia saber o que falava! E assim os bichos atiraram à raposa mais dinheiro do que ela tinha sonhado conseguir.
Com tanto dinheiro a raposa abriu uma escritório no ponto mais nobre da floresta e passou a levar um estilo de vida condizente com sua posição na empresa que fundara, a Fox Motor Company: casas enormes, carros luxuosos, tudo menos casacos de pele tinha a raposa que agora, além de inteligente, era muito rica. O dinheiro que sobrava a raposa usava para construir máquinas mais e mais complexas, mas que, estranhamente, nunca ficavam completamente prontas. Sempe havia necessidade de mais dinheiro e toda vez que ele estava acabando a Raposa reunia seus investidores, apresentava relatórios que esbanjavam daquelas palavras bonitas e difíceis, prometia que estava chegando perto de revolucionar o mundo e acabava por convencer os animais a lhe darem ainda mais dinheiro.
Os anos foram passando e os animais ficando cada vez mais impacientes, afinal todos os que haviam investido nos macacos inventores estavam ganhando muito dinheiro, mas até agora a Raposa não tinha dado nenhum retorno. Quando os investidores ficavam mais exaltados e ameaçavam pular fora, lhes falava a Galinha, um dos animais mais empolgados com a invenção da Raposa e insistia para que mantivessem firme sua confiança na inventora Raposa.
Um certo dia a Raposa reuniu seus investidores e lhes apresentou um aparelho que chamava de "Ressonador Móvel", um amontoado de arames, fios, e condutores dentro de uma esfera de aço que parecia muito com o sr. Porco Espinho. A Raposa radiante explicou que o ressonador "comportava sete diferentes vibrações, cada uma delas capaz de uma divisão infinitesimal". Ninguém entendeu nada, como usual, mas a magia daquelas palavras lhes pareceu uma coisa muito certa. "Maravilhoso! mostre-nos como funciona" disse o Tamanduá. E a Raposa pôs a máquina para funcionar tocando seu violino (mas ela também podia ter seu movimento iniciado por uma harpa ou um diapasão comum, explicou a Raposa). "Fantástico!, vamos patentear esta máquina agora mesmo" disse o Guaxinim. "Nunca!" retrucou a Raposa muito ofendida. "A máquina ainda não está pronta e patenteá-la seria revelar seu funcionamento aos urubus, bichos que, como se sabe, só fazem agourar e roubar as idéias das outras pessoas.
E assim o tempo ia passando até que um dia a Coruja, um animal muito cético e que escrevia para uma revista famosa chamada "O bicho científico", escreveu um artigo junto com alguns castores, bichos engenheiros por natureza, desmentindo a Raposa e dizendo que tudo o que a máquina dela fazia podia ser feito com uma fonte de ar-comprimido escondida. A Raposa ficou furiosa e disse que aquilo era tudo inveja e que a Coruja e os castores só tinham escrito aquilo porque não eram capazes de se medir com ela. Lembrou a todos como tinham sido perseguidos e caluniados os bichos com idéias revolucionárias, como aquele que disse que o mundo era redondo e também aquele outro que descobriu a América. E para apaziguar os ânimos, que ameaçavam escapar do controle, a Raposa distribuiu aos seus agoniados e agora mui abalados investidores os diagramas de funcionamento da sua máquina. Claro que tanto fazia estar em grego ou em língua de bicho porque ninguém foi capaz de entender nada.
Vinte e seis anos se passaram e a Raposa nunca aprontou sua máquina de energia éterica, nunca patenteou um único invento e nunca deu nenhum retorno aos animais, seus investidores. Um dia a Raposa morreu.
Passado um tempo morreu também a Galinha, a fã número um da Raposa. Seu filho, o Pinto, alugou o escritório da Raposa defunta e pôs-se a procurar pela máquina ou por pistas de como ela funcionava. Encontrou o que queria: no sotão havia um grande globo de aço e dentro dele um dispositivo de ar comprimido e de dentro dele tubos e canos que iam em direção ao laboratório, tudo como a Coruja e os castores haviam dito na revista "O bicho científico". Estava resolvido o mistério; a Raposa era uma impostora e tinha enganado geral a bicharada durante mais de vinte e cinco anos.
O que aconteceu em seguida foi engraçado... Estranhamente os bichos que haviam investido milhares e milhares de dólares mantendo o estilo luxuoso de vida da Raposa por 26 anos sem ter recebido um centavo em troca, se recusaram a acreditar que tinham sido enganados. Na opinião deles o Pinto estava amargurado porque sua mãe investira todos os seus bens na Fox Motors Company e isto distorcia seu julgamento a respeito da genial Raposa, que deus a tenha.
E assim todos os bichos seguiram acreditando, e muitos acreditam até hoje (especialmente as tartarugas, que vivem um bocado), que se a Raposa não tivesse morrido teria revelado ao mundo uma nova e revolucionária forma de energia"
Moral da história: Quanto mais uma verdade nos faz parecer imbecis menos verdadeira ela nos parece.
Em tempo: a Raposa se chamava Dr. Jonh Worrel Keely, a Galinha era a sra. Jessup Blomfield Moore, seu filho Pinto era Clarence B. Moore e os macacos eram Thomas Edison e Graham Bell. Os outros são figurantes.