26.11.06

O Guia Cético para assistir a “What the Bleep do We Know?” - Parte 1

É um trabalho chato mas alguém tem que fazê-lo. Depois de ver o documentário “What the Bleep do We Know” sendo citado seriamente em rodas acadêmicas e vazando para além do circuito nova-era até chegar às aulas das universidades sem que nenhum cientista sério desse país reagisse, decidi fazer alguma coisa: arregacei as mangas, preparei o espírito para 90 minutos do mais terrível besteirol esotérico que um homem deveria se obrigado a suportar, e comecei a escrever o “O Guia Cético para Assistir ‘What The Bleep do We Know’”.

Este guia será composto de duas ou três partes, e talvez duas versões: uma mais descolada, que será postada nesse blog, e uma mais séria com um pouco mais de embasamento científico, que será publicada posteriormente no Projeto Ockham.

Traduzindo literalmente, “What a Bleep do We Know” ficaria algo como “Que raios nós sabemos?” embora o “bleep” seja uma onopatopéia para os irritantes bips que os pudicos americanos usam para soterrar palavrões de 4 letras muito mais pesados do que “raios”. Por isso os distribuidores brasileiros, que sempre se acham capazes de melhorar o título original de um filme ficaram com o título "Quem Somos Nós?". Pelo menos nos livraram de ver o filme se chamar "Um Físico Muito Louco" ou "A Física Quântica do Barulho", o que pensando bem, talvez fosse mais apropriado neste caso.

“Quem Somos Nós?” narra a estória de Amanda, uma fotógrafa surda que é levada a percorrer uma jornada espiritual em busca das respostas que todos os seres humanos gostaram de ter: de onde viemos, para onde vamos e tudo o mais que acontece entre essas duas coisas. A diferença é que aqui as respostas buscam embasamento nos conceitos de física quântica, aquele assunto cabuloso que já levou o físico prêmio Nobel Richard Feynmam a dizer: “Se você acha que entende física quântica então você não entende física quântica”.

Apresentando os culpados
Antes de se perguntar quem somos nós, você deveria perguntar quem são as pessoas que fizeram esse filme. Porque isso pode afetar completamente a experiência de assisti-lo.

Um dos principais narradores de “Quem Somos Nós?” é Ramtha, o espírito de um guerreiro da Lemúria. Preste atenção: a pessoa que vai falar pelos próximos 90 minutos com você sobre Neurologia e Física Quântica é o espírito de um guerreiro que viveu em um continente mitológico há 35.000 anos, canalizado por um médium! Não sei quanto a você, mas se algum dos meus professores tivesse apresentado essas credenciais no primeiro dia de aula eu teria me retirado da sala e da universidade. Para evitar que você faça o mesmo no cinema essa preciosa informação somente é revelada no encerramento do filme, já nos créditos finais, o que é uma trapaça danada se você pensar bem.



O médium que canaliza Ramtha no filme é a mulher loira conhecida pelo pseudônimo de JZ Knight. Segundo ela Ramtha, um espírito iluminado que, tal qual Jesus, ascendeu aos céus depois de sua morte, se manifestou pela primeira vez na cozinha da sua casa em 1977. De lá para cá, a mulher fundou uma seita, a Ramtha School of Enlightenment e passou a faturar milhões em seminários, cursos, livros, fitas e bibelôs sobre os ensinamentos de Ramtha. Como JZ possui o copyright sobre Ramtha, é pouco provável que o espírito se manifeste para outro futuro milionário por um bom tempo (será que alguém já registrou o domínio intelectual sobre o Dr. Fritz?).

Ah sim, por coincidência os produtores e os três diretores de “Quem Somos Nós?” são membros da seita de Ramtha. Você sabe o que isso significa, certo? Que “Quem Somos Nós?” é simplesmente um longo comercial sobre uma lucrativa seita que promove a crença em reencarnação, continentes lendários, UFOS e outras bobagens esotéricas. Se você está apto a aceitar isso será mais um expectador feliz desse filme; na verdade, depois dele, pode até ingressar na seita.

Outro falante em “Quem Somos Nós?” é Jeffrey Satinover. Jeff é um médico que acredita que a homosexualidade é uma doença e que ele tem a cura (http://www.satinover.com/main.htm clique no link “homosexuality”). Além de afirmar que o homosexualismo é um mal psiquiátrico que pode ser tratado com antidepressivos, Satinover afirma que o liberalismo causa danos cerebrais. De acordo com um artigo exposto em seu site (use o link "liberalism"), Satinover acredita que...
...é possível que dos mais ou menos 70% que apoiaram, digamos, Bill Clinton, uma parte substancial sofresse de retardadamento mental como resultado da influência liberal das universidades e da mídia
Ou seja, basicamente este homem, que logo falará conosco sobre física quântica, consciência global e paz mundial, está dizendo que se você está contra Bush provavelmente é um retardado mental. Se você ainda por cima for gay isso quer dizer que é doente e retardado mental. Isso sem mencionar que Satinover também mantém links para sites que tratam do Código da Bíblia -- a crenca pseudocientífica de que a Bíblia traz criptografadas previsões sobre o futuro da humanidade.

Temos ainda em “Quem Somos Nós?” o físico PhD, John Hagelin. Hagelin é físico téorico com importantes trabalhos publicados na área das supercordas, embora sua última contribuição decente para a ciência tenha sido em 1994. Desde então Hagelin envolveu-se cada vez mais com a Meditação Transcedental, técnica do guru indiano que-diz-que-pode-levitar-mas-só-quando-não-tem-ninguém-olhando Maharishi Mahesh Yogi do qual Hagelin é discípulo, assim como o foram os Beatles. Suas sucessivas tentativas de incorporar o misticismo oriental em suas teorias físicas o deixaram à margem da comunidade científica e o afastaram de seus ex-colaboradores. Seu mais notável trabalho desde então foi um estudo sobre como a meditação coletiva diminuiu a criminalidade na cidade de New York. Por este trabalho cujos resultados nunca foram reproduzidos Hagelin foi laureado do prêmio Ig Nobel da Paz, uma paródia do prêmio Nobel. Hagelin foi quatro vezes candidato à presidência dos EUA; hoje preside o Instituto de Ciência, Tecnologia e Política Pública da Universidade Maharishi, uma universidade nova-era fundada por seu guru.

Completando o time de "Quem Somos?" vêm o quiroprático Joe Dispenza (só para esclarecer: a quiroprática é uma pseudomedicina sem nenhuma comprovação científica) e Michael Ledwith, ex-quase arcebispo de Dublin, Irlanda. Michael, que mudou seu nome para Miceal, foi afastado da Igreja Católica por defender a tese de que Jesus Cristo tinha um irmão gêmeo idêntico (embora possa ter colaborado para seu afastamento o fato de ter sido acusado de abusar sexualmente de um jovem seminarista, caso que foi resolvido mediante um acordo financeiro). Autor do livro “O Universo Hamburger” (não, eu não estou inventando!) Ledwith ministra o curso “Além do Código Da Vinci - Revelando a Vida Quântica de Jesus”, unindo de maneira inacreditável dois dos mais lucrativos filões em voga atualmente. Ambos são discípulos do culto Ramtha, embora isso não seja revelado nos créditos do filme.

Quem também aparece no filme é o físico David Albert, professor na universidade de Columbia, nos EUA. David é um físico respeitável com credenciais sólidas. Por isso ficou chocado ao ver como as entrevistas que deu foram editadas de maneira a dar a entender que coaduna com as opiniões místicas dos produtores do filme:

Eu fui editado de maneira a suprimir completamente meus verdadeiros pontos de vista sobre o assunto que o filme trata. Eu sou, na realidade, profundamente contrário às tentativas de unir física quântica a consciência. Mais ainda, eu expliquei tudo isso, com grandes detalhes, em frente à câmera, para os produtores do filme. Se eu soubesse que eu poderia ser tirado do contexto tão radicalmente eu com certeza não teria aceitado participar do filme.

Um ex-padre que pregava o evangelho do irmão gêmeo de Jesus, um médico que quer curar os gays e acha que os liberais são retardados mentais, outro que exerce uma terapia não reconhecida pela ciência, um físico praticante de levitação, um cara morto há 35.000 anos baixando em uma dona loira e, em má companhia nesta turma, um físico sério enganado pelos discípulos de uma seita maluca. Bem, agora que você já sabe onde está pisando vamos assistir ao filme.

Leia a segunda parte >>

25.11.06

Ctrl-c, Ctrl-v

Que eu saiba, já fui vítima de plágio duas vezes.

Em uma delas, uma pessoa que se identificava como Nágila Franca copiava meus artigos do Projeto Ockham e apresentava como se fossem seus ao site sobrenatural.org. A mulher era uma impostora profissional; copiou também os textos do jornalista Carlos Alberto Teixera, colunista do caderno de informática do O Globo, que rapidamente acionou o departamento jurídico do jornal.

Agora o blog Loop Quântico, de um autor anônimo, plagiou meu texto sobre o filme "What a Bleep do We Know" escrito no Radar Ockham em maio de 2005. Pelas inserções infelizes do próprio punho que o autor arriscou no meio do texto, dá pra entender porque ele precisou copiar. O que eu não entendo é porque alguém seria tão estúpido para cometer uma falta tão fácil de descobrir; basta uma rápida googlada e a gente pega o bandido e queima para sempre a reputação do site.

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