27.1.08

Que $#@! eles estão falando?

No último post um leitor anônimo deixou nos comentários a dica de uma série de vídeos no YouTube satirizando o filme "Quem Somos Nós". Eu achei os filmes tão bons que decidi legendá-los para que fiquem acessíveis para mais gente. São sete ao total, mas por enquanto legendei os dois que achei mais engraçados.

A propósito, se as legendas parecerem não fazer nenhum sentido não é por minha culpa, essa é a graça dos filmes...




15.1.08

Procura-se um desenhista

Já faz algum tempo que eu venho pensando em escrever uma série de tirinhas cômicas provisoriamente intituladas "O Dragão da Garagem em Tirinhas". Mas foi só há alguns meses atrás, num momento de raríssima inspiração em que se encontraram um inesperado ócio criativo, 80 mg de cafeína (= 1 Red Bull) e uma profunda amargura (que precisava ser esquecida) que eu passei do plano à ação; sentado na lanchonete da academia, com uma caneta bic emprestada e um punhado de guardanapos, escrevi umas seis tirinhas completas e rabisquei mais umas tantas no espaço que sobrou (ué, o Feynman não escrevia papers de física num bar de strip-tease?).

Agora, para o projeto sair daqueles amarfanhados guardanapos falta o(a) desenhista (para isso e para um monte de outros projetos que eu tenho na cabeça, como um livro infantil sobre ciência). É aí que você entra. Se você desenha bem, é idealista a respeito da importância da ciência e tem algum tempo livre para investir em projetos que, por enquanto, não trazem nenhum retorno a não ser pura satisfação pessoal, me mande um e-mail ou escreva um comentário logo abaixo. Quem sabe a gente não vira o Penny & Arcade do ceticismo?

10.1.08

Põe na conta do aquecimento global

Outro dia recebi aqui em casa, gratuitamente, a edição de janeiro da revista mineira "Encontro".

A "Encontro" é uma revista até bem caprichada, com papel bom, diagramação decente, entrevistas com gente de peso (essa trazia o ministro Ciro Gomes), muita propaganda do governo estadual e muitas colunas sociais. Sempre a vejo aos montes em cafés e consultórios de dentistas aqui por BH.

Então ali estava eu, folheando casualmente a "Encontro" e pensando comigo que papel eu tinha assinado para receber a revista de graça, quando descobri o suplemento que vinha junto com ela, chamado "Encontro Ambiental". Na capa deste uma pequena manchete chamou minha atenção: "Clima Ruim -- Aquecimento Global faz Mal para a Saúde". O que veio a seguir, meus amigos, foi a pior peça jornalística que eu vi em muito tempo. Eis como tudo começava:

O último relatório de avaliação do Painel Intergovernamental para Mudanças Climáticas (IPCC) da ONU mostra que as temperaturas mundiais poderão sofrer, até o fim do século, um aumento de 1,4 a 5,8 graus celsius. A variação aponta para consequências nada animadoras como furacões, terremotos, inundações em algumas partes e desertificação em outras, extinção de espécies, fome, doenças, miséria...

Alguém pode me explicar como o aumento da temperatura pode causar terremotos!? Parece mais que a autora, sem fazer pesquisa nenhuma, jogou todas as catástrofes que pôde imaginar numa mesma enumeração. Faltaram apenas o impacto de um asteróide gigante e o Godzilla.

Ainda assim, desconfiado de tanta tragédia junta procurei o resumo do relatório do IPCC que a autora cita. Pelo que li, no caso dos furacões, o IPCC reconhece que não existe nenhuma evidência nos poucos dados disponíveis de que eles vêm se tornando mais freqüentes por causa do aumento da temperatura dos oceanos. Diga-se de passagem que, segundo o IPCC, no hemisfério sul a temperatura dos oceanos não aumentou nem um tiquinho no último século.

Mais alguns parágrafos, todos muito ruins, e vinha o seguinte:

"O aquecimento global também traz preocupação quando o assunto são as doenças vetoriais, como a dengue e a malária. (...) prevê que o aquecimento possa provocar epidemias das duas doenças, com efeitos catastróficos. (...) Em todo o país, o número de casos de dengue notificados até meados deste ano superou em 20% o total do mesmo período de 2006. Pode ser por causa do aquecimento global que favorece a multiplicação do mosquito durante todo o ano."

Pode ser, mas não é. O verdadeiro motivo para o aumento do número de casos da doença não só no Brasil, mas nos outros países subdesenvolvidos, é que aparentemente o Aedes Aegypti evoluiu e desenvolveu imunidade ao veneno tradicionalmente usado para combatê-lo; para piorar o danado agora é capaz de se reproduzir também em água suja e até sem água.

De qualquer maneira colocar a culpa no aquecimento global por alguma coisa só comparando os dados de um ano com o anterior é o pior exercício de estatística que eu já vi. Ainda mais que a autora nem se preocupou em saber se 2007 foi mesmo mais quente que 2006.

E a jornalista seguia colocando vítimas na conta do aquecimento global:

"Mais: estudos mostram que, com as mudanças climáticas, cerca de 20 a 30% dos vegetais e animais poderão ser extintos. Com isso haverá redução do alimento. Menos alimento, mais fome, mais desnutrição e morte. Sabe-se também que a água potável vai ficar mais escassa. Menos água, mais desidratação e morte. E o efeito cascata está formado."

Eu não sei de onde a autora tirou esses dados, mas as pesquisas têm mostrado que tanto as florestas tropicais quanto a agricultura estão na verdade se beneficiando do aquecimento global, já que com mais CO2 no ar e mais tempo de luz solar -- que compensa a quantidade menor de chuvas na época da seca -- a fotossíntese é favorecida. Graças a isso, no geral, a produção de alimentos deve aumentar com o aquecimento global, não o contrário.

A extinção de até 1/4 das espécies animais e vegetais, que de fato é apregoada por alguns cientistas, é uma coisa terrível sem dúvida, mas de fome só vão morrer por causa disso as pessoas que tiverem uma dieta baseada em ursos polares, lêmures, algumas espécies raras de sapos e certas aves (que não o frango).

O quadro de desidratação e morte que a autora pinta tampouco é verdadeiro, embora nesse caso ela seja apenas mais uma indolente vítima da eco-paranóia que predomina na mídia. O próprio IPCC afirma que não vai faltar água em toda a parte. As regiões mais afetadas por secas serão aquelas onde o líquido provém exclusivamente das chuvas; nas regiões mais altas, que dependem do degelo das montanhas, como boa parte da Ásia, vai haver mais água, não menos.

Quando eu achava que já estava preparado para tudo, o texto continuava assim:

"Hoje se tem uma série de alterações por causa do clima. Este ano, por exemplo, devido ao clima frio e seco, aumentou muito o índice das doenças de inverno, como pneumonias, asma e descompensação de doença pulmonar obstrutiva crônica.".

Me corrijam se eu estiver errado mas se no aquecimento global o planeta fica mais quente, por que deveríamos temer as doenças de inverno? Eu não sou médico nem nada, mas pelo que eu entendi vão haver menos casos de pneumonias, asmas e descompensação de doença pulmonar obstrutiva crônica se os invernos forem mais moderados, não é?

O trecho acima vinha acompanhado da figura de um menininho fazendo uso de um inalador, com a seguinte legenda:

"O clima seco favorece o crescimento de casos de doenças respiratórias nas crianças."

É difícil entender como a autora chegou a conclusão nada óbvia (e até anti-intuitiva; o que é estranho já que intuição é tudo o que ela parece ter usado para escrever) de que o clima vai ficar mais seco com o aquecimento global.

Como a capacidade do ar de reter o vapor de água aumenta exponencialmente com a temperatura, a umidade específica deverá aumentar com o aquecimento global, não diminuir. Como com isso aumentam também a evaporação e a precipitação, aumentam junto o risco de chuvas torrenciais e inundações.

Não correu muita tinta e a autora conseguia dizer mais uma bobagem:

"O professor (...) afirma que teoricamente as doenças de pele serão mais incidentes. 'Principalmente as relacionadas ao verão, como câncer de pele, assaduras, micoses e foto-envelhecimento' exemplifica. Os raios ultravioleta também podem ser maléficos aos olhos. Segundo o oftalmologista (...) quanto mais a pessoa ficar exposta ao sol, principalmente sem proteção de óculos escuros, maiores as chances de desenvolver problemas oculares, como a catarata."

O aumento da exposição aos raios ultravioleta, que causa todos os males citados acima, com exceção das micoses e assaduras, são uma conseqüência de outro efeito que nada tem a ver com o aquecimento global: o buraco na camada de ozônio.

O buraco na camada de ozônio é uma diminuição da concentração de ozônio da atmosfera causada pela emissão de clorofluorcarbonetos (CFC), presentes principalmente em aerossóis e equipamentos de refrigeração (diferentemente do CO2 que causa o aquecimento global, só o homem produz CFC, então não dá pra dizer que não foi a gente que estragou o planeta ou, como diria o Homer Simpson, que já estava assim quando chegamos...). Como o ozônio é responsável pela absorção da maior parte dos raios ultravioleta do sol, acredita-se que sem esta camada protetora a vida na Terra estaria mais sujeita aos efeitos nocivos da radiação (embora, pela falta de dados históricos, ainda não seja possível afirmar que houve realmente algum aumento na incidência de raios ultravioleta).

E como pièce de résistance:

"A temperatura mais quente propicia ainda o aparecimento nos pés, de frieiras e micoses de unha. (...) Outra consequência, na opinião da especialista, é o distúrbio da sudorese. 'Ora a pessoa vai transpirar muito, ora transpirar pouco. Isso pode levar ao distúrbio da sudorese, que causa o aparecimento de cravos plantares.' "

Ou seja, por causa do aquecimento global as pessoas vão suar mais. Tudo bem, de alguma maneira eu já esperava por isso. Agora culpar o aquecimento global por... frieiras? Aquele negócio que se evita com uma toalha seca e um pouquinho de higiene?

Errado não está, mas eu me pergunto: se alguém estivesse compilando uma lista das coisas ruins causadas pelo aquecimento global, começando por "aumento do nível dos oceanos" bem no topo, seguido de "proliferação de malária e dengue", "inundações" e "extinção de espécies" logo abaixo, será que haveria realmente espaço nessa lista para "aumento da incidência de frieiras"?


Discutir os efeitos do aquecimento global e o papel do homem nele é uma tarefa espinhosa, com argumentos mais políticos do que científicos de ambos os lados (argumentos que eu não estou preparado para endossar ou refutar nesse momento). Compreensivamente os jornalistas que embarcam nessa tarefa quase sempre abraçam por default este irresistível discurso eco-paranóico pré-apocalíptico. Neste sentido a única novidade do artigo da revista "Encontro" foi saber que caminharemos para o Armagedon com os pés cheios de frieira...

7.1.08

O Guia Cético para assistir a "O Segredo" - Parte 3

Este é o derradeiro final de "O Guia Cético para Assistir a 'O Segredo'". Talvez antes de continuar você queira conferir as partes 1 e 2.


00:44:15



"Imaginação é tudo. Ela é a prévia daquilo que a vida atrai."

Albert Einstein

Esta frase de Einstein de fato está disseminada pela Internet, então não se pode acusar Rhonda Byrne de tê-la inventado ou retirado do contexto como as outras. Mas assim como a frase de Emerson que abriu o filme, esta também não é encontrada em nenhum dos livros ou discursos do físico. Considerando-se ainda que o estilo é um pouco moderno demais, o mais provável é que esta seja mais uma das inúmeras citações bastardas que fazem parte do folclore relacionado a Einstein.

00:58:55

"É importante reconhecer que nosso corpo é realmente o produto dos nossos sentimentos. (...) Nós conhecemos o efeito placebo: o placebo é alguma coisa que supostamente não tem nenhum efeito em nosso corpo, como uma pílula de açúcar. Você diz ao paciente que ele é uma droga verdadeira e o que acontece é que o placebo tem o mesmo afeito, se não maior às vezes, do que o medicamento que seria indicado. Assim eles descobriram que a mente humana é o maior fator de cura na arte de curar."

Surpreendentemente, neste ponto "O Segredo" quase acerta. Se não fosse pelo que está tentando sugerir nas entrelinhas, John Hagelin teria finalmente acertado a mão.

Realmente o placebo apresenta resultados formidáveis em algumas situações: aparentemente funciona em cerca de 30% dos casos de dor, em 40% dos casos quando o paciente acha que está tomando Viagra e em até 50% quando usado no lugar do Prozac (alguns pesquisadores chegam a dizer que todas as drogas contra a depressão funcionam pelo efeito placebo).

John Hagelin portanto está certo em uma coisa: a disposição mental de um paciente, suas esperanças e crenças, são sim um fator poderoso em qualquer tratamento médico. Se bem que isso nunca foi nenhum Segredo...

Agora vêm os "poréns".

Porém Um
: é muito difícil dizer qual a extensão real do efeito placebo. Existe um monte de doenças que se curam espontaneamente, ou que vão e vêm em ciclos, como alergias, dores musculares, enxaquecas, crises de depressão e outras (existem doenças que o paciente nem sequer tem, são fruto de sua imaginação, como no caso extremo dos hipocondríacos). Outras doenças têm um componente psicológico tão grande que se resolvem só com um pouco de atenção e cuidado genuíno do médico (coisa cada vez mais rara) ou com o ritual mágico de um curandeiro (coisa cada vez mais comum). E na maioria das vezes o que placebo faz é estimular uma mudança saudável de hábitos e um empenho maior no tratamento. A cura nesse caso não vem do placebo mas da confiança que se deposita nele.

Porém Dois: em muitos casos o placebo simplesmente não funciona. Trate um diabético com soro fisiológico em vez de insulina e ele definhará, por maior que seja sua crença no tratamento; dê um anticoncepcional de farinha a uma mulher e ela terá as mesmas chances de engravidar do que outra que não tomou nada.

Porém Três: o efeito do placebo nunca é maior do que o efeito do medicamento de verdade. É justamente assim que se sabe quando uma droga funciona mesmo, comparando-a com o placebo. Se chá de catuaba misturado com pó de chifre de rinoceronte incrementa a ereção de alguém tanto ou menos do que uma pílula azul de açúcar então a beberagem também é um placebo.


01:00:54

"Nós temos milhares de doenças lá fora. Elas são apenas o elo fraco da corrente. Elas são todas o resultado de uma coisa apenas: stress. Quando você coloca tensão na corrente você coloca tensão no sistema e um dos elos se parte. Nossa fisiologia cria doenças para nos dar feedback, para nos fazer saber que estamos desbalanceados, que não estamos amando, que não somos gratos. Por isso os sinais corporais e sintomas [de uma doença] não são algo terrível.

A questão que é freqüentemente perguntada é: quando uma pessoa manifesta uma doença no templo do seu corpo, ela pode ser curada através do pensamento positivo? A resposta é absolutamente sim!"

Realmente existem evidências bastante fortes mostrando relação entre stress e doenças como depressão, síndrome do pânico, asma, herpes, doenças do coração, obesidade, problemas estomacais etc. Mas daí a culpar o stress por todas as disfunções psicológicas, síndromes, infecções, viroses, doenças degenerativas, congênitas etc é um exagero que não têm respaldo da literatura científica.

Pior que dizer que todas as doenças são causadas por stress é afirmar que desenvolvemos doenças por sermos mal agradecidos ou por não estarmos enamorados com o Universo. Ninguém precisa pensar muito para ver que há alguma coisa errada nessa idéia. Afinal bebês recém nascidos, novos demais para serem tanto estressados quanto ingratos, também adoecem. De fato, a maior incidência de câncer em crianças ocorre entre zero e quatro anos de idade.

E para quem insistir nessa idéia eu tenho uma novidade: animais também ficam doentes! Galinhas ficam gripadas, gatos têm diabetes, peixinhos dourados têm cálculo renal, chimpanzés contraem HIV da mesma maneira que a gente, e a taxa de incidência de câncer entre os cães é quase a mesma que entre os humanos. Tudo bem que um animal pode ficar tão ou mais estressado que um homem, mas acho que ninguém acredita que a fisiologia canina cria doenças para que os cães saibam que precisam ser mais gratos por sua ração.

01:02:36

"Nós nascemos com um programa básico, chamado auto-cura. Se você tem um ferimento ele sara; se você pega uma infecção seu sistema imunológico entra em ação, elimina aquela bactéria e se cura. O sistema imunológico é feito para se curar. A doença não pode viver num corpo que está num estado emocional saudável. Seu corpo está criando milhões de células a cada segundo. Na verdade, partes inteiras do seu corpo são trocadas literalmente a cada dia. Outras partes levam alguns meses, ou anos para serem trocadas, mas dentro de alguns poucos anos nós temos um corpo inteiramente novo!"

Não, nosso corpo não foi feito para se curar e não, você não tem um corpo novo a cada temporada.

Mesmo que uma vida emocionalmente regrada operasse milagres isso não poderia curar nem doenças degenerativas do cérebro, como o mal de Alzheimer, nem distrofias musculares, uma vez que, diferentemente das células de outros tecidos, as células do sistema nervoso e as dos músculos nunca se renovam (é verdade que estudos mais novos têm mostrado que a neurogênese é sim possível em certas regiões específicas do cérebro, ao contrário do que se acreditava, mas isso não quer dizer que estas células têm um ciclo de renovação como o filme afirma).

Quanto à alegação de que pessoas emocionalmente saudáveis não ficam doentes, existem tantas maneiras de testá-la que é até difícil escolher uma. Nós poderíamos por exemplo fazer com que a Pessoa Mais Feliz do Mundo ingerisse uma cápsula com o vírus Ebola tratando-a unicamente com musicais da Disney, tipo o "High School Musical". Como normalmente menos de 10% das pessoas infectadas pelo Ebola sobrevive, será relativamente fácil verificar se a felicidade pode realmente expulsar o vírus.

01:03:49

"Pensamentos alegres levam a uma bioquímica alegre, um corpo mais feliz, mais saudável. Pensamentos negativos, stress, degradam seriamente o corpo e o funcionamento do cérebro."

O que é uma bioquímica alegre? Só uma figura de linguagem infeliz, do tipo que abunda na Superinteressante, ou realmente enzimas saltitantes cantarolando "Age of Aquarius" enquanto processam carboidratos no ciclo de Krebs? Exagero meu talvez, mas não se esqueça que John Hagelin estava naquele outro filme, que mostrou ao mundo células dançando polka numa festa de casamento...

Até onde se sabe pensamentos alegres não disparam alterações bioquímicas no corpo, em vez disso eles estimulam o cérebro a produzir certas substâncias associadas ao prazer como dopamina e endorfinas, que têm o feliz efeito de provocar alívio de dores e atenuação dos sintomas de algumas doenças.

É claro que pensamentos negativos não são bons para ninguém, mas sozinhos não podem ser culpados por provocar doenças. Se fosse assim os hipocondríacos -- pessoas que pensam o tempo todo que estão doentes e não acreditam quando o médico lhes diz o contrário -- manifestariam doenças reais e não imaginárias, como é quase sempre o caso.

01:04:09

"Remova o stress fisiológico do corpo e o corpo faz o que ele foi projetado para fazer: ele se cura."

A não ser que você acredite que o homem foi feito de barro no sexto dia de uma semana bem movimentada, esqueça essa idéia de que nosso corpo vem com um mecanismo de cura universal projetado por um designer cósmico.

Repetindo: nosso corpo não foi feito para se curar. O único motivo das pessoas hoje não morrerem aos milhões com um simples resfriado é porque... as pessoas já morreram aos milhões no passado com um simples resfriado! É assim que funciona a evolução pela seleção natural: aqueles que sobrevivem a uma praga por serem naturalmente resistentes a ela têm uma boa chance de passar esta imunidade aos seus descendentes. Esta é a sobrevivência do mais apto, de que falava Darwin.

Por exemplo, os índios da América não morreram como moscas quando os europeus invadiram suas praias por causa de uma crise de depressão coletiva (que seria até justificável se eles soubessem que seriam convertidos ao catolicismo à ferro e a fogo e depois de alguns séculos estariam vendendo miçangas nas estradas....). Morreram porque foram expostos a novos tipos de vírus -- principalmente Influenza (o vírus da gripe) e varíola -- para os quais não tinham ainda imunidade (sobre isso recomendo o excelente livro "Armas, Germes e Aço" de Jared Diamond). O mesmo aconteceu mais tarde com a gripe espanhola, que matou 5% da população do planeta no início do século. Se um designer planejava nos projetar resistentes a todas estas doenças desde a versão 1.0 ele fez um péssimo trabalho de engenharia...

01:11:01

"Uma das questões que eu recebo quase todo o tempo e que provavelmente está na sua cabeça agora é 'bem, se todo mundo usa o segredo e todos tratam o universo como um catálogo nós não vamos acabar com tudo? se todo mundo for ao caixa ao mesmo tempo isso não vai quebrar o banco?'

"A beleza do ensinamento de o segredo é que há mais do que o bastante para todo o mundo. Existe esta mentira, que age como um vírus na mente da humanidade, e esta mentira é que 'não há o bastante para todo mundo'; que há falta, que há limitação, que não há suficiente. Esta mentira faz com que as pessoas vivam com medo, ganância, avareza e estes pensamentos se tornam sua experiência. Assim o mundo tomou essa pílula do pesadelo [aqui o filme mostra um contigente militar indo à guerra]. Mas a verdade é que há o bastante para todo mundo; há mais do que o bastante de idéias criativas, há mais do que o bastante de amor, há mais do que o bastante de alegria."

Idéias criativas e amor, uma ova! Citando os Beatles, as melhores coisas da vida são de graça, mas você pode deixar isso para os pássaros e abelhas; agora me dá meu dinheiro que é isso é o que quero!

É um (triste) fato, não uma mentira ou um vírus: não há recursos naturais suficientes no planeta para sustentar indefinidamente as atuais taxas de crescimento econômico, tomando como base o padrão de consumo americano. Na verdade, os economistas estimam que se toda a população do mundo de repente começasse a consumir e gerar lixo nas mesmas quantidades que os EUA, seria necessário que nosso planeta fosse seis vezes maior.

01:12:19

"Todo grande mestre que já andou por este planeta nos ensinou que a vida deveria ser abundante. E assim, toda vez que nós pensamos que os recursos estão acabando, nós achamos novos recursos para fazer a mesma coisa."

Pode ser, pode não ser. Mas provavelmente no tempo dos grandes mestres nem todo mundo sonhava em ter banheiras de hidro-massagem em casa ou Hummers na garagem.

01:14:21

"Pense nisso por um instante: pegue sua mão e olhe para ela. Sua mão parece sólida mas não é. Se você a colocar num microscópio apropriado verá uma massa de energia vibratória".

É difícil entender aonde o sujeito que disse que não sabia o que era a eletricidade quer chegar, mas mesmo que você metesse a sua mão debaixo de um Microscópio Eletrônico de Tunelamento (o que a rigor não seria possível de qualquer maneira, mas aqui eu estou sendo apenas chato), você poderia no máximo resolver os átomos que compõe a superfície da sua mão, nunca veria alguma coisa parecida com uma "massa de energia vibratória".

Só para constar: energia não é uma entidade que pode ser observada, no sentido em que se observa uma pedra caindo ou um átomo. Mal comparando é como observar o vento, você não o vê diretamente, apenas vê o seu efeito nas coisas.

01:14:33

"Tudo é feito exatamente da mesma coisa, seja sua mão, seja o oceano ou uma estrela. Tudo é energia. E deixa eu te ajudar a entender isso: existe o Universo é claro, e nossa galáxia e nosso planeta, e então tem as pessoas e dentro delas, o orgãos, e as células e então vêm as moléculas, e os átomos e dentro deles há energia. Logo, há um monte de níveis sobre os quais falar, mas no final tudo no universo é energia."

"Não importa em qual cidade você vive, você tem energia em seu corpo, energia potencial, para iluminar uma cidade inteira por aproximadamente uma semana"

Vamos começar pelo final, que parece alguma coisa que o Morpheus disse em Matrix enquanto segurava uma pilha Duracell. O Brasil consome aproximadamente 2.000 kWh por pessoa anualmente (este número é seis vezes maior nos EUA). Fazendo as contas para quanto uma cidade de 1 milhão de habitantes consumiria em uma semana, dá mais ou menos 40 milhões de kWh. Deixa eu ver... nop, não há como extrair essa energia elétrica de um único corpo humano (a não ser é claro que você se lance dentro de um reator de fissão nuclear, mas eu acho que pouca gente está disposta a fazer isso).

A NASA, que por motivos óbvios tem o maior interesse em conseguir aproveitar a energia corporal nas viagens espaciais, calcula que uma pessoa dormindo pode gerar até 81 W de energia aproveitável, uma pessoa andando 163 e um maratonista 1048, o que daria no geral, calculam, uns 11 kWh por dia. Isso dá menos de 80 kWh em uma semana (na prática esse número seria muito menor pois é impossível com os meios atuais transformar a energia corporal em eletricidade com 100% de eficiência; por exemplo, os materiais termoelétricos existentes hoje só conseguem converter 3% do calor do corpo), muito abaixo dos 40 milhões necessários para manter uma cidade.

O outro erro é dizer que a energia está dentro dos átomos. Como Einstein mostrou com sua famosa expressão E=mc^2, matéria é energia. O que isto quer dizer é que a massa pode ser considerada como uma forma de energia (mas não o contrário); isto não quer dizer que se você observar a matéria em um microscópio muito poderoso chegará ao ponto em que verá a energia.

[Atualização] Realmente a Teoria das Cordas ("String Theory") ou como é mais comumente chamada hoje em dia, Teoria do Tudo ("Theory of Everything" ou "TOE"), defende a idéia de que a matéria é constituída não de partículas, mas de absurdamente minúsculos campos de energia vibratórios (as tais "cordas"). Infelizmente esta teoria, apesar de sedutora por unificar a teoria da relatividade e a teoria quântica, ainda não foi comprovada experimentalmente (alguns duvidam que possa ser um dia) nem fez nenhuma predição que pudesse ser observada, por isso continua à margem da física.

1:17:38



"Todo o poder vem de dentro e portanto está sob seu controle."

Robert Collier

Depois de Einstein, Buda e Graham Bell você poderia se achar na obrigação de conhecer esse tal de Robert Collier. Fique tranquilo: Collier é somente mais um autor de livros de auto-ajuda bem conhecido pelos íntimos do Novo Pensamento. Citá-lo tem mais ou menos o mesmo valor que citar a própria autora de "O Segredo".

01:20



Novo festival de caretas do Fred. Parece que alguém está precisando se alinhar ao Universo ou não vai ganhar filme novo esse ano...

01:24:08

"Lembre-se que nós usamos somente 5% do potencial da mente humana. Cem por cento podem ser alcançados com treinamento adequado. Agora imagine um mundo em todas as pessoas usam totalmente seu potencial mental e emocional. Nós poderíamos ir a qualquer lugar, fazer qualquer coisa, conseguir qualquer coisa."

Já chegando ao final do filme John Hagelin lança mão do batido mito de que o homem só usa 5 ou 10% do cérebro (eu estava esperando que isso viesse mais cedo, afinal este é o maior suporte para as teorias mirabolantes sobre poder da mente).

O maior problema deste tipo de mito é que para dizer que alguém usa apenas 5 ou 10% do potencial da mente humana é preciso estabelecer quanto é 100% e ninguém imaginou ainda uma maneira de fazer isso. Por exemplo, como você vai virar para o Pelé e dizer que ele só usava 5% do potencial da mente dele para jogar futebol? Ou dizer pro Beethoven que ele só estava usando 10, ou 20, ou x porcento do potencial da mente dele quando compôs a Nona Sinfonia?

Em outras palavras, qualquer medida do potencial da mente humana será sempre arbitrária. John Hagelin por exemplo arbitrou vagamente que com 100% nós "poderíamos ir a qualquer lugar, fazer qualquer coisa". Se isso incluir a capacidade de se teletransportar para outro planeta então acho que estamos ainda muito aquém dos 5%...

O Alexandre Taschetto escreveu um ótimo artigo sobre este mito no Projeto Ockham.

1:27:41



"Sinta-se bem."




Agora que o filme acabou eu me sinto bem melhor, obrigado.


Conclusão
Guaribas no Piauí, escolhida como marco zero do programa Fome Zero, é um dos vilarejos mais miseráveis do mundo. Lá não tem água, energia elétrica, telefone público, um posto de saúde sequer, farmácia, e o esgoto corre a céu aberto.

Em Guaribas as crianças não sonham com bicicletas, sonham com água. Se as crianças de Guaribas assistissem DVDs ou conseguissem ler livros de auto-ajuda, poderiam aprender com "O Segredo" que tudo o que precisam fazer para conseguir água -- em vez de andar 14 km, ida e volta, todos os dias, às vezes duas vezes por dia, até um açude lamacento -- é contemplar diuturnamente a foto de um balde d'água. Um dia, quem sabe, o Universo providenciará para que o próprio presidente da república apareça às suas portas saltando de um reluzente caminhão-pipa.

Mas como as crianças de Guariba não sabem usar o Segredo nem têm o que comer e o que bebem é uma água barrenta infectada pelo lixo, a taxa de mortalidade infantil por lá só é comparável às das regiões mais pobres da África. A maior parte das mulheres de Guaribas já perdeu pelo menos um filho. Rhonda Byrne poderia dizer a estas mães que seus filhos ficaram doentes porque eles, ou elas, não estavam suficientemente gratos pelo que o universo lhes oferece.

Extrapole este exemplo para qualquer rincão miserável do planeta e você verá qual o verdadeiro segredo de "O Segredo": que ele não passa de uma filosofia cruel que joga sobre os desafortunados, os doentes e miseráveis toda a responsabilidade por suas mazelas, enquanto libera os felizes, saudáveis e abastados da sua responsabilidade para com os primeiros.

E difícil entender porque uma filosofia tão egoísta veiculada em um filme tão ruim faz tanto sucesso, mesmo levando em conta sua massiva estratégia de marketing (que por aqui quer fazer da Ana Maria Braga a Oprah tupiniquim, com o livrinho "O Segredo por Ana Maria Braga"). Pois se em "Quem Somos Nós" a enganação e a pseudociência ficavam muito bem escondidas do leigo pela edição alucinada, os problemas de "O Segredo" afloram à superfície de uma maneira que qualquer um minimamente escolarizado pode ver (tanto que eu sei que este Guia Cético nunca terá a mesma importância do outro, sobre "What a Bleep Do We Know").

É claro que todo mundo (inclusive eu) quer saber como ganhar dinheiro sem trabalhar, emagrecer sem fazer dieta, conseguir um corpo bonito sem malhar, ficar inteligente sem estudar e ter cabelo sem fazer transplante capilar (tá, essa só eu e mais alguns). Mas só os fãs de "O Segredo" estão dispostos a não abandonar sua credulidade por coisas bobas como lógica e bom senso.



The End.

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