29.12.06

O Guia Cético para assistir a “What the Bleep do We Know?” - Parte 2

Na primeira parte deste Guia, apresentei as pessoas por trás da realização do documentário "What the Bleep do We Know?" (Quem Somos Nós?). Mostrei que os produtores, os três diretores e até alguns dos cientistas convidados fazem parte de uma exótica (e lucrativa) seita americana (na verdade me abstive de mostrar o quão exótica e lucrativa ela é -- você ficaria espantado).

Agora na segunda parte analisarei a primeira meia hora do filme mostrando onde o filme erra ao tentar combinar ciência e misticismo, embalando os dois na agradável linguagem da auto-ajuda.

Por favor me desculpem o longo post. Empolgado, acabei produzindo muito mais material do que seria adequado para um blog. E olha que nem tudo o que escrevi está aqui; na edição final mantive apenas o resumo da ópera e deixei a versão completa para ser publicada mais tarde no Projeto Ockham. Espero que a mesma curiosidade que motivou o leitor a ir ao cinema buscar respostas para Quem Somos Nós, mantenha seu interesse até o final do texto. Ao menos, talvez você descubra Quem Não Somos Nós.

Então vamos ao Guia Cético para assistir a “What the Bleep do We Know?” -- A Ciência Contra-Ataca.


0:04:47


Cada idade, cada geração tem suas premissas pré-construídas. Que o mundo é plano, ou que o mundo é redondo, etc. Existem centenas de postulados, coisas que aceitamos como certas, que podem ou não ser verdadeiras. É claro que na grande maioria dos casos, historicamente, estas coisas não são verdadeiras. Assim, presumivelmente, se a história serve de guia, muita coisa que aceitamos como certas simplesmente não são verdadeiras.

Ao afirmar que não se pode assumir nenhum conhecimento como definitivo o filme prepara o caminho para a visão alternativa do mundo que será apresentada a seguir. É um truque velho.

O problema deste argumento está no conceito de “conhecimento verdadeiro”. Para a ciência um conhecimento é “verdadeiro” enquanto for capaz de explicar os fenômenos observados na natureza, nada mais.

Por exemplo, muita gente pensa que os antigos eram estúpidos porque acreditavam que o Sol girava em torno da Terra. Na verdade o modelo geocêntrico permitiu que os navegadores se orientassem com uma precisão boa o bastante durante muitos séculos e na prática era menos complicado que o modelo heliocêntrico que o substituiu mais tarde. Foi só quando dados astronômicos mais precisos puderam ser obtidos que o geocêntrismo pôde finalmente dar lugar ao seu sucessor. Já a Terra pôde ser considerada plana pelo tempo em que isso permitiu aos homens orientar-se em seu reduzido universo, que usualmente limitava-se até onde a vista conseguisse alcançar. Quando o mundo se ampliou, com a invenção da bússola e do telescópio e a conquista de novos continentes, foi preciso admitir que a Terra não era plana, exatamente como hoje, na era dos satélites espaciais, somos obrigados a admitir que ela tampouco é esférica (chame-a de “pêra” se quiser).

Da mesma maneira a física clássica não se tornou inválida de uma hora para outra, como um paradigma com data de validade vencida. A física de Newton trouxe avanços impressionantes para a ciência e foi bem sucedida em prever inúmeros fenômenos -- os mais notáveis deles provavelmente foram os descobrimentos dos planetas Urano e Netuno, além de ter fornecido uma explicação satisfatória para o fenômeno do eletromagnetismo. Mas chegou o momento em que a física clássica não podia mais explicar certas observações experimentais à respeito dos átomos e precisou ser, no que diz respeito à este universo, substítuida. Assim mesmo ela permanece perfeitamente válida para quase todos os aspectos da vida cotidiana.

Mas mais importante do que isso é o fato de que sabemos sim algumas coisas com certeza. Quando um paciente com câncer é diagnosticado através de um exame de ressonância magnética e depois tratado com sucesso em um aparelho de radioterapia é porque sabemos bastante sobre os elementos químicos e as partículas atômicas; se você está usando um microcomputador para ler este blog é porque alguém precisou saber bastante coisa sobre a física quântica para construir o microprocessador que o equipa; e quando levamos o homem à Lua o fizemos porque sabíamos bastante sobre a gravitação de Newton, o eletromagnetismo de Maxwell e toda uma lista enorme de conhecimentos bem estabelecidos. Todas estas coisas são muito mais do que suposições ou modismos de uma era ou de uma geração.


0:11:24


Esta câmera está vendo muito mais ao meu redor... do que há aqui... porque ela não faz objeções e nem julgamentos. O único filme que está sendo exibido no cérebro é o que temos a habilidade de ver. Assim, será possível que nossos olhos, nossas câmeras, veja mais do que nosso cérebro tenha habilidade de ver, de conscientemente projetar?

Aqui Ramtha, o espírito lemuriano canalizado pela médium, afirma que um equipamento eletrônico pode ver mais do que um homem porque não é capaz de julgar aquilo que vê. Isso é mais ou menos como dizer que os homens daltônicos escolhem ver menos cores (ou que tem alguma objeção ao amplo espectro de tons de rosa, por exemplo).

Ramtha não diz o que há mais para ser visto por nosso cérebro pré-conceituoso mas considerando que estamos diante de uma mulher cujo sotaque vem de um guerreiro de um continente mítico hospedado em seu corpo, podemos supor que se trata de algo espiritual. Neste caso estamos fora do domínio da ciência.

Note-se que aqui se estabelece pela primeira vez uma das idéias fundamentais deste filme: a de que o mundo como o conhecemos pode ser fisicamente moldado pelas nossas crenças pessoais. Veremos mais sobre isso adiante.

Logo em seguida outra mulher continua:


Bem, o modo como nosso cérebro é construído... nós somente vemos o que acreditamos ser possível. Hmm... nós comparamos padrões que já... uh... existem em nós mesmos atraves de condicionamento.


Esta é a mesma hipótese que deu origem ao clássico adesivo de carro “duende, vê quem acredita”. Ela prossegue:


Assim, uma história maravilhosa que acredito ser verdadeira, é que quando os índios, os índios nativo-americanos das ilhas do Caribe, viram os navios de Colombo... eles não podiam vê-los realmente. Porque eles eram tão... diferentes de qualquer coisa que eles tinham visto antes, que eles não podiam vê-los.

Assim contada, a história poderia passar como apenas um causo ou uma parábola. No entanto logo em seguida a história ganha ares oficiais quando dramatizada sob a locução de um dos cientistas do filme (pela voz, provavelmente Joe Dispenza, o quiroprático membro da seita Ramtha):


Quando a armada de Colombo chegou à América, nenhum dos nativos podia ver os navios, mesmo que eles estivessem no horizonte. A razão porque eles nunca viram os navios é porque eles não tinham conhecimento em seus cérebros que navios (no original "Clipper Ships") existiam. Logo o pagé começou a notar as marolas no oceano mas ainda não via os navios... mas ele começou a se perguntar o que causava as marolas. Assim, cada dia ele olhava e olhava e olhava. Até que um dia viu os navios e contou a todos os outros que os navios estavam lá. Como todos confiavam nele, foram capazes de ver os navios também.

Não há o menor traço de veracidade nesta história. Não há registros escritos por Colombo nem tradições orais das tribos indígenas que habitavam a América de que qualquer coisa assim jamais tenha acontecido com navios, armas de fogo, instrumentos metálicos, ou qualquer outra tecnologia nunca antes vista pelos nativos. Não há tampouco registros nos relatos dos modernos conquistadores do século XIX que chegaram à África, ao Alasca, à Amazônia ou em outros territórios onde habitavam civilizações tecnologicamente mais atrasadas, de que qualquer coisa assim jamais tenha acontecido.

Esta é uma história inventada, provavelmente dentro da seita Ramtha, para impressionar discípulos pouco espertos. E que história absurda! Imaginem um beduíno do deserto que nunca viu nada além de camelos em toda a sua vida de repente deparando-se com homens brancos flutuando à meia altura do solo e deixando velozmente atrás de si uma nuvem de areia! E os animais? Eles também precisaram se acostumar com as tecnologias do homem moderno antes de serem capazes de vê-las? Quanto tempo um chimpanzé precisou olhar para uma banana frita invisível antes de poder realmente comê-la?

A propósito, os navios de que Ramtha fala (Clipper Ships) só foram inventados no século XIX. Talvez por isso ninguém podia vê-los...


0:21:06

O garotinho -- uma espécie de Mini-Me do Morpheus de Matrix -- lança a bola com força sobre Amanda.

- Machuca! Amanda diz.
- Ela nunca te tocou

- Tá bom...

- E ela não é sólida. A bola é quase completamente vazia.

Aqui temos três afirmações: (1) a bola não tocou Amanda; (2) a bola não é sólida e (3) a bola é vazia, em sua quase totalidade. Das três, somente a afirmação (3) é verdadeira.

O átomo é cerca de 100.000 vezes maior do que o seu núcleo. Isso quer dizer que se o átomo fosse um grande auditório vazio, seu núcleo, onde estão os prótons e os neutrons, seria um pontinho do tamanho da cabeça de um alfinete, bem no centro. Agora imagine todo este enorme auditório completamente vazio, com alguns outros pontinhos ainda menores do que uma cabeça de alfinete rodopiando por todo este espaço. É um verdadeiro latifúndio atômico.

Mas só porque há um bocado de espaço vazio no interior da matéria que constitui a bola de basquete isso não quer dizer que ela não seja sólida. Os átomos, com toda aquela imensidão vazia, estão ligados entre si por forças combinadas de atração e de repulsão, como imãs muito fortes. O que define o estado físico da matéria é basicamente a intensidade destas forças atômicas. Em um líquido as forças entre os átomos são muito tênues, por isso é tão fácil que você mergulhe sua mão na água, afastando os outros átomos do seu caminho. Em um gás os átomos estão ainda mais fracamente ligados fazendo com que sejam capazes de ziguezaguear livremente por grandes distâncias. Já em um corpo sólido os átomos ocupam posições estáveis, bem definidas, muito próximos uns dos outros e fortemente ligados entre si. Por isso é muito mais difícil tirar do lugar um átomo de uma bola de basquete do que da água ou do ar.

Concluindo, dizer que uma bola não é sólida somente porque os átomos que a constituem possuem um monte de espaços vazios é quase a mesma coisa que dizer que ela não é sólida porque é oca. É falso.

A seguir mais sobre a primeira alegação.


0:21:22


Nós pensamos no espaço como vazio e na matéria como sólida. Mas na verdade essencialmente não existe nada na matéria. Ela é completamente insubstancial. Dê uma olhada em um átomo. Nós pensamos nele como em uma bola dura. Então dizemos: "Oh bem, não na verdade. Ele é como um pequeno ponto de matéria muito densa cercado por uma nuvem de probabilidade, saltando para dentro e para fora da existência". Mas acontece que nem isso é correto. Mesmo o núcleo, que pensamos ser tão denso, salta para dentro e para fora da existência da mesma maneira que fazem os átomos. A coisa mais sólida que podemos dizer sobre toda essa matéria insubstancial é que ela é mais como um pensamento -- é como um bit concentrado de informação.

Outro físico entra em cena e diz:

O que constitui as coisas não são mais coisas, mas ideias, conceitos, informações.

Os átomos são os tijolos da matéria. Mas o filme vem mostrando que esses tijolos são insubstanciais, constituídos de partículas minúsculas em um espaço enorme quase totalmente vazio. Que tipo de casa seria aquela construída com tijolos etéreos dispostos a vários metros uns dos outros que nem ao menos se tocam!? Mas a casa existe, nós a vemos e ela não é de fumaça. A conclusão, sugere o filme num salto lógico enorme e desonesto, é que não são os tijolos em si que sustentam a casa mas pensamentos, idéias, informação.

(Veja como o filme empurra o expectador na direção da crença de que os pensamentos são capazes de moldar a matéria. É importante identificar o exato momento em que isso acontece.)

Mas tijolos são tijolos e átomos são átomos. Um tijolo não sofre nenhuma força de outro tijolo distante a não ser uma fraquíssima e completamente desprezível força gravitacional. Já na escala atômica um átomo exerce sobre seus vizinhos uma forte força de natureza eletromagnética. Estas forças são como as vigas invisíveis (ou molas rígidas como preferem os físicos) da estrutura molecular que mantém o edifício da matéria em pé. Quando queremos derrubar este edifício não o fazemos com a força do pensamento e sim quebrando as vigas atômicas, fornecendo a elas energia, como calor por exemplo. É assim que o gelo se transforma em água.

Continuando com o filme, finalmente o jovem Morpheus volta à cena:

É como eu disse, a bola nunca te tocou.

O narrador toma a palavra e emenda:


Os elétrons constroem uma carga... e empurram os outros elétrons, assim ninguém toca ninguém.

Aqui o filme faz um enorme esforço para confundir o expectador

Só porque no nível subatômico os átomos não se tocam isso não quer dizer que as coisas não se tocam aqui em cima. Ocorre apenas que o que chamamos de tocar aqui é diferente de “tocar” na escala atômica. É apenas uma questão de linguagem.

No mundo macroscópico tocar significa entrar em contato, encostar. Mas no mundo atômico os átomos raramente “encostam” um no outro; eles apenas se repelem quando ficam muito próximos. Pense nisso como se os átomos estivessem ligados por molas invisíveis muito duras; quanto mais próximo um átomo fica de outro mais a mola o empurra de volta (em certas circunstâncias os núcleos de dois atómos podem realmente encostar um no outro até se fundir, como acontece no interior das estrelas e na bomba de hidrogênio).

Note que toda esta discussão sobre como a bola não é sólida e como ela não toca no que encosta é apenas uma maneira de levar o espectador a concluir que a realidade física é bastante diferente do que lhe diz a intuição, preparando o terreno para que ele possa aceitar as idéias metafísicas que virão, que igualmente desafiam o bom-senso.


0:24:22

Uma partícula, na qual pensamos como uma coisa sólida, existe num estado chamado "superposição", uma onda espalhada de localizações possíveis. No instante em que você olha... ela imediatamente surge em uma única localização.

Enquanto o narrador explica o que é a superposição quântica um monte de bolas de basquete surge ao mesmo tempo na quadra. Amanda então se vira e todas, excepto uma, desaparecem. Aqui o filme comete (de novo) o pecadilho de comparar uma partícula subatômica a um corpo massivo. O porquê do erro veremos adiante.

Em seguida outro físico pega o bastão e prossegue conduzindo o pensamento:

A superposição quântica implica que uma partícula pode estar em dois lugares ao mesmo tempo. É um conceito bizarro e um dos mais importantes do mundo quântico.

A superposição quântica é não só uma das características mais importantes do mundo quântico, mas também a que suscita as discussões filosóficas mais acaloradas. É bom entendê-la já que ela será usada de maneira recorrente durante o filme.

Na física quântica o elétron não é visto como um ponto material, tal qual uma minúscula bola de bilhar, e sim como uma entidade matemática chamada “função de onda”. Esta função de onda representa a probabilidade de se encontrar o elétron em uma determinada posição do espaço. Pense na função de onda como se ela fosse uma nuvem, só que uma nuvem de probabilidade; onde a nuvem é mais densa é mais provável encontrar um elétron, onde ela é mais tênue a probabilidade de que haja ali um elétron é muito pequena. O problema é que a função de onda leva a uma consequência muito interessante que é a possibilidade – teórica – de que um objeto permaneça em dois estados simultaneamente.

Para entender o que isso significa imagine que uma carta de baralho está perfeitamente equilibrada sobre uma ponta. A física clássica nos diz que na ausência de qualquer infuência externa a carta ficaria equilibrada para sempre. Já a física quântica nos diz que a carta caíria imediatamente, para a direita e para a esquerda ao mesmo tempo. Este bizarro resultado é chamado de superposição quântica.

Mas se isso é verdade por quê ninguém nunca viu uma carta ao mesmo tempo com a face para cima e para baixo? Uma das explicações propostas para o enigma, proposta na década de 20 com o nome de interpretação de Copenhagen, é que quando um observador vê a carta pela primeira vez ele força a natureza a escolher entre um dos estados quânticos possíveis. A natureza então escolhe aleatoriamente entre os estados “carta com face para cima” e “carta com face para baixo”. Isso é chamado de colapso da função de onda e é o nascedouro de todo o papo sobre consciência no qual se baseia "Quem Somos Nós?".

O único problema é que, segundo a mecânica quântica, a função de onda não deveria sofrer nenhum colapso! Na verdade o colapso da função de onda é apenas uma maneira pragmática de explicar por que nunca observarmos a superposição quântica no dia a dia; ela não é uma decorrência natural da mecânica quântica; ela é um postulado, uma carteada filosófica, um puxadinho que os físicos fizeram na teoria quântica para poderem aplicá-la com sucesso sem precisar antes concluir o arcabouço filosófico que desse conta de suas estranhezas.

Até hoje a superposição quântica nunca foi observada em objetos maiores do que algumas dezenas de átomos e há bons motivos para acreditar por que nunca será, conforme veremos. Por isso a analogia das bolas de basquete que Morpheuzinho quica com a força do pensamento é tão enganosa.


0:25:50

Uma voz pergunta...


Como pode um sistema ou um objeto estar em dois lugares ao mesmo tempo?

E outro responde imediatamente:


(...) Nós todos temos o hábito de pensar que tudo ao nosso redor já é uma coisa... que existe independente da nossa escolha. Nós temos que banir esse hábito de pensar. Em vez disso você tem que aceitar que mesmo o mundo material ao nosso redor, as cadeiras, as mesas, as salas, o carpete, mesmo a câmera, tudo isso não são nada mais que movimentos possíveis da nossa consciência. Eu estou escolhendo o tempo todo entre esses movimentos... para fazer com que a experiência real se manifeste. Este é o único pensamento radical que você precisa, mas ele é tão radical, tão difícil... porque nossa tendência é aceitar o mundo como se ele já estivesse lá, independente da minha experiência. Ele não está! A física quântica é tão clara a respeito disso. Em vez de pensar nas coisas como coisas, temos que pensar nelas como possibilidades da consciência

Agora as coisas ficam sérias e o filme mostra suas garras esotéricas.

Você se lembra do salto lógico que aconteceu aos 21 minutos de filme, quando o narrador sugeriu que a matéria era formada de pensamentos? Aqui ocorre outro destes saltos, na mesma direção. Num instante o filme está falando de física quântica e no seguinte postula que o mundo é literalmente moldado pelos nossos pensamentos, sem estabelecer nenhuma ponte entre essas duas idéias.

Segundo esta idéia toda a realidade física é construída por nossos pensamentos. Como se vivessemos na Matrix, mas sem nenhum computador criando a realidade a não ser nossa própria consciência.

As pessoas que admiram este filme pelo seu lado mais auto-ajuda costumam tomar esta afirmação de maneira frouxa, quase metaforicamente. É como se o filme estivesse defendendo apenas uma postura mental positiva, do que tipo que faz com que você persiga um sonho, consiga um disputado emprego, se relacione melhor com sua família, arranje uma namorada bonita, esse tipo de coisa. Não é isso! O que o filme repete incessamentemente é que você pode construir fisicamente a realidade com a força do pensamento. Isso significa levitar bolas de basquete (como Morpheuzinho), estar em dois lugares ao mesmo tempo (outra das de Morpheuzinho), curar doenças de todo o tipo (como Amanda descobrirá ao final do filme), aprender kung-fu num piscar de olhos e outras coisas do tipo "there is no spoon".

Antes de mais nada a física quântica nada diz sobre isso e qualquer extrapolação do mundo atômico para o mundo macroscópico é um exercício falacioso. Além disso, por detrás do agradável conceito de que o mundo é fisicamente configurado pela força do pensamento se esconde uma egoísta e terrível idéia: a de que o sofrimento não passa de um hábito de pensamento. Você diria a um portador de uma doença degenerativa como o Mal de Alzeimer, que sua condição é uma escolha? Você diria a um portador da síndrome de Down que seus pensamentos determinam sua deficiência mental? que sua condição, impressa em seus genes, é um mero hábito de pensar? Em que momento uma pessoa que nasceu cega optou por não enxergar o mundo?


0:27:10


Você pode ver em diversos laboratórios ao redor dos EUA, objetos grandes o bastante para serem vistos à olho nú...

Aqui há um vísivel corte entre esta frase e a que se segue.


...e elas estão em dois lugares ao mesmo tempo. Você pode tirar uma fotografia daquilo. (...) "E daí?" você diria, "eu vejo duas coisas aqui". Não, não! não são duas coisas, é uma coisa só. Uma coisa só em dois lugares simultaneamente!


Experiências recentes realmente mostraram que fótons e pequenos agrupamentos de átomos podem estar em dois lugares ao mesmo tempo. Isso é de fato impressionante e confirma esplêndidamente a teoria quântica. Contudo até o presente momento nenhuma experiência foi feita mostrando objetos visíveis a olho nú em dois lugares ao mesmo tempo. Nem mesmo objetos muito maiores do que átomos, mas ainda assim microscópicos, como vírus, foram observados em dois lugares ao mesmo tempo. Isso é simplesmente falso. (Na defesa do médico, o filme foi editado de maneira a dar a impressão de que a experiência mencionada foi realizada com corpos visíveis a olho nú, mas provavelmente não era a isso que ele se referia.)

Há explicações perfeitamente naturais para porque a superposição quântica não funciona para objetos muito maiores do que o átomo. Mas vamos deixar esta explicação para daqui a pouco.


0:28:37


Física quântica calcula somente possibilidades... mas se aceitarmos isso, então a questão que surge imediatamente é: quem, o quê, escolhe entre todas as possibilidades... para determinar a experiência real? Nós diretamente vemos que a consciência precisa estar envolvida. O observador não pode ser ignorado.

A questão aqui está relacionada aos trechos anteriores e finalmente podemos encerrá-la.

A experiência da carta de baralho sugere que é preciso a ação de um observador para que o estado da carta seja definido. Mas e na experiência cotidiana? Quem faz o tempo todo o papel de observador?

A resposta é que não há necessidade de observador. Os físicos descobriram que a teoria quântica dava origem a um comportamento que denominaram não-coerência. Segundo a teoria da não-coerência uma superposição quântica só pode existir enquanto permanece secreta para o mundo. No instante em que uma única mólecula de ar zanzando pelo ambiente, ou um único fóton dos quaquilhões que compõem um raio de luz, esbarram na carta, o estado da carta passa a ser conhecido; não há mais espaço para a indeterminação. Este ínfimo contato com o resto do universo é tudo o que basta para que a superposição se revele. Em outras palavras, a própria natureza faz o papel de observador.

Isso explica porque não se vê pessoas em dois lugares ao mesmo tempo, gatos suspensos entre a vida e a morte e outras superposições quânticas por aí. É praticamente impossível isolar um corpo macroscópico de toda e qualquer influência externa. Basta que uma fortuita molécula de ar esbarre no objeto para fazer com que uma estado quântico torne-se não-coerente, isto é, fique idêntico a um estado clássico.

A teoria da não-coerência foi proposta pela primeira vez em 1952 pelo físico David Bohm mas foi ignorada no início. Só bem mais tarde, no início dos anos 80, a teoria foi retomada e finalmente, em 1996, foi comprovada experimentalmente. Hoje ela é aceita pela maioria dos físicos no lugar da interpretação de Copenhagen.


0:31:35

Em Washington, a chamada "capital mundial dos homicídios" houve um grande experimento no verão de 1992... onde 4000 voluntários vieram de vários países para meditar coletivamente por longos períodos de tempo durante o dia. Foi predito que com um grupo deste tamanho o número de crimes violentos caíria em 18%, como definido pelo FBI naquele verão. (...) Ao final, o departamento de polícia tornou-se colaborador e autor do estudo, pois os resultados demonstraram que fato a criminalidade diminuiu 18%.


O que o físico John Hagelin não disse no filme é que o crime diminuiu 18% em relação ao que ele previu que subiria se os meditadores não tivessem meditado.

Funciona assim: Hagelin prevê, através de um modelo que considera, além de estatísticas pregressas da criminalidade, dados como a temperatura e flutuações no campo magnético da Terra, que a criminalidade subirá, digamos, 30% no verão. Mas enquanto o grupo de meditadores recita seus mantras, em vez de 30% a criminalidade aumenta apenas 15%. Desta maneira Hagelin pode dizer que a criminalidade foi 50% menor do que ele previu que seria.

No final das contas o que interessa para os moradores da cidade de Washington é que, com meditadores ou sem meditadores, no ano de 1992 a criminalidade lá atingiu o terceiro valor mais alto de sua história (quando consideradas as taxas de homicídio).

Não é a toa que uma pesquisa deste gabarito tenha merecido o prêmio igNobel, uma paródia do prêmio Nobel...


Leia a terceira e última parte>>

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