Engenharia esotérica
Nas minhas idas e vindas para Belo Horizonte acabei me deparando com o que parecia ser só mais um rápido exemplo do Festival de Besteiras Quânticas que Assola o País, mas acabou dando um caldo grosso para um post mais diverso. Este saiu no caderno de imóveis do jornal Estado de Minas, no dia 10 de maio.
A física quântica tem mesmo as costas largas. Serve como explicação para qualquer maluquice esquisotérica que se queira disfarçar de ciência. Neste caso Ricardo Alfeu impugna à física quântica a justificativa para uma bobagem que o teólogo Leonardo Boff publicou no Jornal do Brasil em 2004. Segundo Boff, uma variação na freqüência de ressonância do campo magnético terrestre, conhecida por Ressonância Schumann, estaria relacionada ao acirramento de todas as mazelas do mundo -- guerras, crimes, desastres ecológicos etc -- além de ter reduzido a duração do dia para apenas 16 horas (!). A história, eu nem precisaria dizer, é apenas um mito (que nada tem a ver com quantuns e partículas atômicas); só para dizer o mínimo, a frequência de ressonância Schumann não sofreu nenhuma variação significativa nos últimos anos.
Mas o texto fica melhor mais à frente:
Radiestesia é a arte, milenar como sempre, de detectar "energias" usando pêndulos, varinhas ou galhos em forma de forquilhas. A aplicação clássica da radiestesia sempre foi encontrar água, mas os modernos radiestesistas se especializaram em encontrar quase qualquer coisa: petróleo, metais preciosos, objetos perdidos, pessoas desaparecidas, assassinos, minas terrestres, cemitérios antigos, doenças e defeitos em equipamentos elétricos, além de indicar dietas, determinar afinidades amorosas e descobrir o melhor lugar para pastos, templos e comércio em geral. Até hoje nenhuma dessas alegações resistiu ao mais elementar teste duplo-cego e nenhum radiestesista levou pra casa o prêmio de 1 milhão de dólares do James Randi (embora muitos tenham tentado, a maioria vem preferindo ganhar seu milhão no varejo místico). Para saber mais sobre a pseudociência que é um verdadeiro canivete suiço astral leia o artigo do Projeto Ockham.
Mas voltando às vacas, frias: será que gatos também detém essa habilidade extra-sensorial para descobrir áreas energeticamente mais favoráveis para cochilar ou esta é uma habilidade exclusivamente bovina? Porque neste caso as áreas energeticamente mais favoráveis da minha casa são seguramente o interior de caixas de papelão e gavetas entreabertas, que são os lugares aonde os bichanos passam a maior parte do tempo.
Mesmo admitindo que as vacas são bichos menos caprichosos que os gatos, não dá para entender esse apelo à velha sabedoria popular. Pois outra coisa que os moradores rurais fazem até hoje (e também os da cidade grande) é colocar garrafas com água sobre os medidores de energia elétrica. Acreditam que isso faz o relógio girar mais devagar, conseqüentemente diminuindo a conta de luz. E alguém já ouviu algum engenheiro preocupado com o prejuízo que isso pode causar à companhia de energia?
Tudo isso é pura ciência segundo a matéria, que continua:
Mas antes de chegar a este trecho, o artigo seguia assim:
De fato o solo normalmente contém pequenas quantidades de urânio -- menos ou mais dependendo da região evidentemente. O urânio em si é inofensivo, mas depois de um tempo ele produz por decaimento radioativo o elemento rádio que por sua vez se desintegra formando o radônio. É aí que mora o perigo pois o radônio, um gás inodoro, sobe facilmente através da terra até a superfície e pode penetrar nas casas através de fendas no piso, rachaduras e junções mal formadas entre as paredes e o chão, contaminando os moradores.
Nos EUA a contaminação por radônio nas residências é a segunda maior causa de câncer de pulmão, atrás só do cigarro. Lá o problema é tão grave que o governo faz grandes campanhas educativas para orientar os moradores a medir os níveis de radônio de suas casas regularmente e kits de medição são vendidos em qualquer loja de ferragens. No Brasil o problema é bem menos sério, pois graças ao clima, a maioria das pessoas mantém as janelas abertas, evitando que o gás se acumule em espaços confinados.
Em busca do bem estar
Construtora cria espaços internos e externos que valorizam a qualidade de vida, usando técnicas que permitem descobrir melhores espaços para cada ambiente
Amplamente usadas na Europa e só agora descobertas pelas empresas mineiras, as técnicas de feng shui e radiestesia norteiam a construção de prédios. A aplicação destes conceitos busca proporcionar um ambiente agradável, não só do ponto de vista arquitetônico, como do ponto de vista energético, direcionando partes importantes do empreendimento, como quartos e áreas de convivência para ficarem sobre pontos que emanam energias positivas.
A RKM Engenharia adotou essas práticas como padrão em suas obras. Assim como o equilíbrio entre ocupação e preservação da natureza que se reflete positivamente entre os vizinhos.
(...)
O diretor geral da empresa, Ricardo Alfeu, diz que a busca pela qualidade de vida motivou a construtora a pesquisar e atender a demanda da clientela. (..) "permitir que o morador ao chegar em casa se esqueça do corre-corre e se lembre que ele tem 24 horas, e não 16 horas, como já sugere a física quântica diante da rapidez das informações e do mundo atual", explica.
A física quântica tem mesmo as costas largas. Serve como explicação para qualquer maluquice esquisotérica que se queira disfarçar de ciência. Neste caso Ricardo Alfeu impugna à física quântica a justificativa para uma bobagem que o teólogo Leonardo Boff publicou no Jornal do Brasil em 2004. Segundo Boff, uma variação na freqüência de ressonância do campo magnético terrestre, conhecida por Ressonância Schumann, estaria relacionada ao acirramento de todas as mazelas do mundo -- guerras, crimes, desastres ecológicos etc -- além de ter reduzido a duração do dia para apenas 16 horas (!). A história, eu nem precisaria dizer, é apenas um mito (que nada tem a ver com quantuns e partículas atômicas); só para dizer o mínimo, a frequência de ressonância Schumann não sofreu nenhuma variação significativa nos últimos anos.
Mas o texto fica melhor mais à frente:
Os estudos começam com a radiestesia (captação de energia por um pêndulo), que prepara o terreno para receber o empreendimento . "Antigamente, quando uma fazenda estava para ser construída era costume soltar o gado no terreno e ver aonde eles iriam dormir. Acreditava-se que aquele seria o local ideal para erguer a casa. Energeticamente mais favorável. Esta técnica identifica a energia do terreno e procura direcionar os pontos mais adequados para abrigarem os cômodos do imóvel."
Radiestesia é a arte, milenar como sempre, de detectar "energias" usando pêndulos, varinhas ou galhos em forma de forquilhas. A aplicação clássica da radiestesia sempre foi encontrar água, mas os modernos radiestesistas se especializaram em encontrar quase qualquer coisa: petróleo, metais preciosos, objetos perdidos, pessoas desaparecidas, assassinos, minas terrestres, cemitérios antigos, doenças e defeitos em equipamentos elétricos, além de indicar dietas, determinar afinidades amorosas e descobrir o melhor lugar para pastos, templos e comércio em geral. Até hoje nenhuma dessas alegações resistiu ao mais elementar teste duplo-cego e nenhum radiestesista levou pra casa o prêmio de 1 milhão de dólares do James Randi (embora muitos tenham tentado, a maioria vem preferindo ganhar seu milhão no varejo místico). Para saber mais sobre a pseudociência que é um verdadeiro canivete suiço astral leia o artigo do Projeto Ockham.
Mas voltando às vacas, frias: será que gatos também detém essa habilidade extra-sensorial para descobrir áreas energeticamente mais favoráveis para cochilar ou esta é uma habilidade exclusivamente bovina? Porque neste caso as áreas energeticamente mais favoráveis da minha casa são seguramente o interior de caixas de papelão e gavetas entreabertas, que são os lugares aonde os bichanos passam a maior parte do tempo.
Mesmo admitindo que as vacas são bichos menos caprichosos que os gatos, não dá para entender esse apelo à velha sabedoria popular. Pois outra coisa que os moradores rurais fazem até hoje (e também os da cidade grande) é colocar garrafas com água sobre os medidores de energia elétrica. Acreditam que isso faz o relógio girar mais devagar, conseqüentemente diminuindo a conta de luz. E alguém já ouviu algum engenheiro preocupado com o prejuízo que isso pode causar à companhia de energia?
Tudo isso é pura ciência segundo a matéria, que continua:
O projeto arquitetônico é baseado no feng-shui, também chamado de medicina da habitação, que significa água e vento. "Não se trata de nada místico ou zen, e sim de questões científicas", defende Ricardo.
Mas antes de chegar a este trecho, o artigo seguia assim:
A geobióloga e radiestesista Dalvelina Rocha Araújo explica que quartos e escritórios devem ficar num ponto de baixa irradiação. A partir da filosofia, que tem mais de 5 mil anos, a idéia dos engenheiros da RKM foi transformar pontos saudáveis dos terrenos, que inicialmente ficariam perdidos, em áreas de convivência, como salas de meditação e espaços gourmet, o que aproxima os moradores e proporciona um relacionamento mais proveitoso entre os vizinhos.
Os pontos ruins ou densos podem ser corrigidos. "É necessário aplicar uma liga especial misturada ao cimento que vai formar o piso do local. (...) Isso impede as más energias de subirem. Alguns pontos tem radiação semelhante a um aparelho de raios-X. Imagine isso 24 horas por dia incidindo sobre a pessoa. Causa até doenças", afirma Dalvelina.
De fato o solo normalmente contém pequenas quantidades de urânio -- menos ou mais dependendo da região evidentemente. O urânio em si é inofensivo, mas depois de um tempo ele produz por decaimento radioativo o elemento rádio que por sua vez se desintegra formando o radônio. É aí que mora o perigo pois o radônio, um gás inodoro, sobe facilmente através da terra até a superfície e pode penetrar nas casas através de fendas no piso, rachaduras e junções mal formadas entre as paredes e o chão, contaminando os moradores.
Nos EUA a contaminação por radônio nas residências é a segunda maior causa de câncer de pulmão, atrás só do cigarro. Lá o problema é tão grave que o governo faz grandes campanhas educativas para orientar os moradores a medir os níveis de radônio de suas casas regularmente e kits de medição são vendidos em qualquer loja de ferragens. No Brasil o problema é bem menos sério, pois graças ao clima, a maioria das pessoas mantém as janelas abertas, evitando que o gás se acumule em espaços confinados.
Dalvelina não está inventando nada portanto. O que ela está fazendo é se apropriando da linguagem e dos procedimentos científicos para construir uma outra coisa que parece ciência mas não é: a geobiologia.
Geobiologia é uma pseudociência de nome chique cuidadosamente pensado para parecer científico. No fundo não é nada mais que radiestesia misturada com feng-shui. Basicamente a geobiologia estuda como as "energias más" da habitação afetam o homem, sejam elas:
Os instrumentos de um geobiólogo para detectar e transmutar tantas e tão variadas energias são, além das clássicas varinhas, pêndulos e forquilhas, "(...) pirâmides cuja base, quando corretamente orientada, emite espectros positivos, inclusive para curas através de cromoterapia e também uso de emissores de ondas de forma."
Todo esse papo furado é até tolerável no cercadinho pseudocientífico razoavelmente inofensivo que inclui as revistas de decoração, arquitetura (vá lá... já perdemos esta), programas femininos etc, mas deveria ser absolutamente condenável no portfólio de uma empresa de engenharia. Engenheiros que apóiam o uso de pêndulos e pirâmides em seu pátio de obras são, em gênero pelo menos, como os juízes que dão ouvidos à espíritos em pleno tribunal.
Por isso não sei quanto à você, mas eu preferiria morar em uma casa solidamente construída sobre um cemitério indígena do que arriscar a sorte em um prédio cheio das boas intenções do feng shui mas construído por quem chama radiação ionizante de "energia má" e usa pêndulos em vez de contadores Geiger para detectar radônio.
Geobiologia é uma pseudociência de nome chique cuidadosamente pensado para parecer científico. No fundo não é nada mais que radiestesia misturada com feng-shui. Basicamente a geobiologia estuda como as "energias más" da habitação afetam o homem, sejam elas:
(...) ionização das moléculas de ar que respiramos; gases polônio e radônio, típico de fraturas no subsolo; presenças nefastas necromantes ou psíquicas; influência da rede elétrica; influência dos deslocamentos de águas no subsolo, inclusive esgotos da própria residência (ou empresa); eletromagnetismo gerado por aparelhos eletroeletrônicos, como TV, Computador, Microondas, Celulares, etc. e influência de objetos decorativos, quadros, estátuas, fotografias, móveis antigos (antiguidades), objetos herdados, fotografias de antepassados, etc.
Os instrumentos de um geobiólogo para detectar e transmutar tantas e tão variadas energias são, além das clássicas varinhas, pêndulos e forquilhas, "(...) pirâmides cuja base, quando corretamente orientada, emite espectros positivos, inclusive para curas através de cromoterapia e também uso de emissores de ondas de forma."
Todo esse papo furado é até tolerável no cercadinho pseudocientífico razoavelmente inofensivo que inclui as revistas de decoração, arquitetura (vá lá... já perdemos esta), programas femininos etc, mas deveria ser absolutamente condenável no portfólio de uma empresa de engenharia. Engenheiros que apóiam o uso de pêndulos e pirâmides em seu pátio de obras são, em gênero pelo menos, como os juízes que dão ouvidos à espíritos em pleno tribunal.
Por isso não sei quanto à você, mas eu preferiria morar em uma casa solidamente construída sobre um cemitério indígena do que arriscar a sorte em um prédio cheio das boas intenções do feng shui mas construído por quem chama radiação ionizante de "energia má" e usa pêndulos em vez de contadores Geiger para detectar radônio.