O Guia Cético para assistir a "O Segredo" - Parte 2
Antes de você começar a ler esta continuação do Guia Cético para Assistir a "O Segredo" deixa eu dizer que este foi um dos artigos mais difíceis que já escrevi para o Dragão da Garagem.
Não que algum argumento de "O Segredo" tenha sido particularmente desafiador. Foi justamente o contrário. Comparado a "What a Bleep Do We Know", que fazia um bom trabalho tentando se disfarçar de documentário científico, "O Segredo" trata a ciência de forma tão infantil que na maior parte das vezes eu me via sem saber nem como começar a rebater as alegações do filme. Era como ter que explicar que não é um anão dentro da máquina de coca-cola que conta o dinheiro e coloca as latinhas na fenda.
Além disso, enquanto "Quem Somos Nós" possuía um certo charme de filme trash que ajudava a tornar, digamos, curiosa, a experiência de assistí-lo (o hilário sotaque lemuriano de Ramtha, os efeitos especiais de propaganda de shampoo, as células com olhinhos e boquinhas sendo dizimadas por um bombardeio de peptídeos etc.),"O Segredo" é exatamente tão interessante quanto pode ser uma convenção da AmWay ou da Herbalife (o que deve te dar uma boa idéia de quão insuportável foi assistí-lo até o fim).
Bem, mas a missão está cumprida. No final das contas acabei extrapolando um pouco e comentando não só as enganações científicas mas também os problemas éticos que "O Segredo" levanta. Com isso esta continuação acabou ficando muito maior do que eu gostaria. Como pensando bem não existem muitas "dulogias" famosas por aí, achei uma boa idéia quebrar o post em duas partes mais. A boa notícia é que a terceira parte já está praticamente pronta e sai logo em seguida.
Vamos então a segunda parte do Guia Cético para Assitir a "O Segredo".
00:03:32
Ralph Waldo Emerson, poeta e ensaísta americano famoso no século XIX pelos seus discursos abolicionistas, está para a literatura de seu país mais ou menos como Castro Alves está para a nossa. Quem vê uma figura literária do seu porte citando o Segredo assim, tão explicitamente, é até capaz de acreditar no causo do segredo ancestral desenterrado por Templários que foi transmitido só a alguns iniciados até ser acobertado por uma conspiração malvada.
O problema é que tudo indica que Emerson nunca disse as palavras acima. Se você fizer uma busca na internet verá que todo mundo que atribui a frase à Emerson cita "O Segredo" como fonte.
Por exemplo, Julia Rickert, jornalista do jornal on-line Chicago Reader, foi uma das que procurou a fonte original da frase de Emerson. Depois que nem mesmo os especialistas na obra de Emerson conseguiram ajudá-la, Julia decidiu contactar a editora de "O Segredo" e perguntar de onde Rhonda Byrne havia tirado a citação. Tudo o que conseguiu, além de uma mensagem padrão isentando a editora da responsabilidade pelo conteúdo do livro, foi a promessa de que a questão seria endereçada à autora.
Ou Rhonda Byrne descobriu alguma obra inédita de Emerson enterrada sob uma pirâmide durante todo o último século, ou ela simplesmente inventou a frase.
00:03:38
Aqui o sr. Bob Proctor afirma que a lei da atração é uma lei da natureza, tão precisa e prevísivel quanto a lei da gravidade. Aparentemente o gancho para essa alegação extraordinária é simplesmente o fato de que ambas têm o nome de "lei".
Uma lei da natureza é uma representação simples, geralmente matemática, de um comportamento da natureza. Por exemplo, a lei da gravidade diz que os corpos se atraem com uma força proporcional às suas massas e inversamente proporcional ao quadrado da distância entre eles. Essa é uma lei da natureza porque os físicos acreditam que ela é universal e imutável (e obviamente independente da existência humana). É assim que devem ser as leis da natureza.
Mas nem tudo o que tem o nome de "lei" é uma lei da natureza. Por exemplo, nas outras áreas de conhecimento você pode chamar de lei qualquer regra empírica que pareça se aplicar com uma certa (e maleável) regularidade. Assim temos, por exemplo, a lei de Moore segundo a qual "a cada dois anos a capacidade de processamento dos microprocessadores dobra", e a lei da oferta e da procura que diz mais ou menos que "quanto menor a oferta e maior a demanda de um produto mais caro é o preço cobrado por ele". Mas é claro que estas não são leis no sentido estrito que a ciência lhes dá, afinal ninguém espera que elas sejam universais nem atemporais, e isso vale também para a lei da atração.
Tudo bem, você está disposto a reconhecer que a lei da atração não é uma lei da natureza só porque tem a palavra "lei" no nome. Mas e daí? será que a lei da atração realmente não é previsível o suficiente para ser comparada a uma lei da natureza (o que afinal de contas é o quer provar o filme)? Bem, se tudo o que eu disse sobre os furos da lei da atração na primeira parte deste Guia não foram suficientes para responder esta pergunta, talvez a gente possa tentar uma outra abordagem. Para isso vamos pensar numa outra lei muito parecida com a lei da atração: a lei de Murphy.
A lei de Murphy diz que "tudo o que pode dar errado vai dar errado no pior momento e de maneira que cause o maior dano possível" e cá entre nós, ela "funciona" muito melhor do que a lei da atração (ou vai dizer que seu computador nunca deu pau quando você mais precisava dele? ou que justamente nos dias em que você esquece o guarda-chuva caem as maiores tempestades!?). E se a lei de Murphy não atrai coisas, como a lei da gravidade, pelo menos se encarrega de fazer como que as torradas sempre caiam com a manteiga para baixo... (aplicação de um corolário da lei de Murphy conhecido por "gravitação seletiva" que faz com que as coisas caiam de forma a causar sempre o maior estrago possível).
Tanto a lei de Murphy quanto a lei da atração nos dão a sensação de que "funcionam" porque temos a tendência de colher seletivamente os exemplos da sua eficácia (o tal "wishfull thinking"). Enquanto na lei da atração geralmente pinçamos as casualidades fortuitas e os desejos realizados para nos convencer que ela dá certo, na lei de Murphy é quando as coisas dão errado apesar de todos os nossos esforços, que a lei se confirma uma vez mais (aí só resta usá-la como desculpa: "sabe como é chefe... é a lei de Murphy...").
Oposta na finalidade mas igual no mecanismo, a lei da Murphy é apenas uma gozação global com a mania humana de enxergar padrões onde eles não existem. Por outro lado sua nêmesis, a lei da atração, aspira ser equiparada a uma lei da natureza...
00:06:11 [atualizado]
Aqui "O Segredo" nos dá duas opções, ambas incorretas é claro: ou o filme fala em sinal magnético querendo dizer na verdade sinal eletromagnético (como uma onda de rádio, por exemplo, opção reforçada pela associação com a palavra "freqüência"), ou se refere mesmo a um campo magnético, o que é meio difícil de entender já que os campos magnéticos atraem o seu oposto, como fazem os imãs, não o seu semelhante -- como teoricamente faria a lei da atração. Como tudo é possível tratando-se desse filme, vamos analisar as duas opções.
Primeiramente é preciso esclarecer a diferença entre uma onda eletromagnética e um campo magnético. Um campo magnético é um campo de forças distribuído no espaço que faz, por exemplo, com que os pólos opostos de um imã se atraiam. Agora, quando um campo magnético e um campo elétrico oscilantes se propagam juntos no espaço (perpendicularmente um ao outro) dão origem a uma onda eletromagnética, como as ondas de rádio e a luz visível por exemplo. Fisicamente falando, uma onda eletromagnética não atrai coisa alguma só porque tem "magnética" no nome; em vez disso ela carrega energia, como no caso da luz solar.
Um pensamento é uma reação química que produz eletricidade, e como toda corrente elétrica, produz um campo magnético na sua vizinhança (por isso mandam a gente desligar os aparelhos eletrônicos no avião). Só que o campo magnético produzido pelo cérebro é tão pequeno que só pode ser medido por um dispositivo extremamente sensível numa sala completamente blindada contra interferências magnéticas. Para ser mais exato o campo magnético produzido pelo cérebro é 10 bilhões de vezes menor que o campo magnético da Terra e como sua intensidade é inversamente proporcional ao quadrado da distância da fonte, ele decai rapidamente à medida que se afasta do cérebro, tornando desprezível o que já era ínfimo. Por isso não há sentido prático em dizer que um pensamento envia "um sinal magnético para fora da sua mente".
00:12:19
Aqui Fred Allan Wolf aparece fazendo seu papel de ligar o Segredo à Física Quântica.
O trecho poderia ser apenas uma sobra ruim das gravações de "What a Bleep Do We Know" (já devidamente refutado no nosso outro Guia Cético) se não fosse por um detalhe engraçado. Em "What a Bleep" Fred se projetava como um velhinho gente boa, sempre sorridente, o tipo de sujeito que a gente adoraria que ensinasse física para os nossos filhos. Mas em "O Segredo" ele parece ter decidido adotar a tática de que o ataque é a melhor defesa. Neste trecho por exemplo, ele se antecipa aos seus críticos e soletra com deboche e muitas caretas as palavras "wishfull thinking", "imaginary" e "craziness".
Ou seja, "No more Mr. Nice Physicist"...
00:12:55
Ai, ai... Não engula essa conversa fiada. Nós conhecemos a eletricidade muito bem, o suficiente para construir fogões e cadeiras elétricas e também células solares, geradores, microprocessadores, supercondutores, motores elétricos, televisões, rádios, telefones, iPhones, aparelhos de raios-x... preciso continuar?
00:13:28
Este homem é um visionário. Não, sério, esta é a credencial dele; está escrito "Visionário" ali, logo abaixo do seu nome.
Mas o Visionário é na verdade um Embromador. Juntou a palavra "cientificamente" com termos calculadamente imprecisos (o que é um pensamento "poderoso", afinal?) e não disse absolutamente nada. O pobre espectador não entende nada porque não tem nada mesmo para entender, mas sai com as palavrinhas "provado cientificamente" na cabeça...
00:13:41
Esse discurso acompanha a cena em que um sujeito vê a figura de um elefante em um cartão postal, pensa na coisa por alguns segundos (provavelmente desejando ter o bicho para si) e o animal se materializa bem na sua frente. Seria engraçado se eles não estivessem falando sério...
A rídicula cena responde a uma pergunta que o filme faz aqui pela primeira vez: se a lei da atração é uma lei da natureza e como tal funciona sempre e para qualquer um, por que os pedidos não se materializam imediatamente depois que pensamos neles?
Para isso, "O Segredo", oferece duas explicações (diferentes) e a primeira delas é esta aqui: o universo possui um "buffer de tempo" que atrasa a entrega do pedido até que seja mais conveniente recebê-lo. Afinal, imagine que desagradável seria pensar em um elefante e o paquiderme se materializar na mesma hora na sua sala de estar? (eu posso pensar em umas duas dúzias de exemplos mais embaraçosos do que esse, a maioria envolvendo alguma situação sexual...).
É ou não é a coisa mais estúpida que você já viu num comercial desde aquela propaganda do sofá inflável Air-O-Space?
Só para início de conversa não é assim que um buffer funciona. Um buffer é um reservatório que tem a finalidade de acelerar o acesso ou manter constante o fluxo de alguma coisa; uma caixa d'água por exemplo, ou o mecanismo anti-choque dos CDs de carro (eles mantém armazenados alguns segundos adiante da música para que não haja pausas no caso de um chacoalhar mais violento). Tudo bem, eu sei que isso é apenas picuinha. O problema real é que é bastante óbvio que esta é apenas uma rídicula explicação ad hoc (um "remendo") para explicar porque a lei da atração não se comporta como uma lei da natureza mesmo que insistam que ela é uma. Tanto que ao final do filme eles oferecerão uma outra explicação completamente diferente para o motivo da lei da atração demorar ou mesmo nunca funcionar.
00:14:53
Aqui "O Segredo" tenta nos convencer que a lei da atração, como uma boa lei da natureza, é tão "impessoal" quanto a lei da gravidade. Ou seja, para conseguir realizar seus desejos você não precisa ser bom, habilidoso, estudioso, competente, esforçado... Para o universo você é apenas um corpo de massa m; ele não quer saber se você é um corpo de massa m bonzinho e esforçado.
E onde você leu "Trabalhe" no trinômio "Peça, Acredite e Receba" mesmo?...
00:17:33
Isso é tudo o que queriam ouvir vizinhos espaçosos, fumantes abusados, pessoas que sentem prazer em dirigir perigosamente, viciados em drogas, pedófilos, terroristas ansiosos pelas virgens de seios fartos do paraíso islâmico, serial killers que simplesmente curtem matar e basicamente qualquer outro tipo de ser humano que sinta prazer às custas da infelicidade alheia e não cultive nenhum remorso por isso. Continuem o bom trabalho pessoal.
00:20:13
Essa a Rhonda Byrne não inventou; Churchill realmente escreveu isto em sua auto-biografia "Minha Mocidade". Mas vejamos o que dizia o parágrafo completo de onde o trecho foi extraído:
Ou seja, Churchill estava dizendo justamente o oposto do que prega "O Segredo"! Não é irônico? Agora, graças a "O Segredo", milhões de esotéricos enaltecem a Lei da Atração citando Churchill, sem saber que na verdade ele ridicularizava este tipo de pensamento metafísico.
00:25:18
Claro. Esqueça todo o estudo e planejamento minucioso. Quando Amir Klink se prepara para mais uma travessia pelo Atlântico ou outra circunavegação ao redor da Antártica ele apenas joga aleatoriamente alguns mantimentos e cartas geográficas pelo primeiro barco que vê e parte. Do resto cuida a Lei da Atração...
Neste ponto tem início a história do menininho que ganha uma bicicleta do pai aplicando a Lei da Atração. O garoto recorta uma foto da bicicleta dos seus sonhos e olha para ela todos os dias. Leva a foto para a beira do lago, para a escola, para debaixo da colcha e olha, olha e olha. O menino não pensa num plano para juntar dinheiro e comprar a bicicleta; talvez trabalhar meio expediente engraxando sapatos ou cortar a grama do vizinho ou fazer uma rifa... ele só... olha. Até que um dia o Universo surge paternal à sua porta com seu objeto do desejo em mãos.
A moral da história é clara, mesmo porque vem sendo martelada desde o início do filme: você não precisa se esforçar para conseguir o que quer. Basta contemplar obssessivamente o objeto do seu desejo e o universo o providenciará para você.
Apenas por curiosidade Esther Hicks, que aqui faz sua principal participação no filme (participação removida da segunda edição devido à desentendimentos a respeito do marketing de "O Segredo") é uma médium. Ela diz que seus livros são psicografados por um "espírito coletivo" (não, não me pergunte...) denominado Abraham. Cada filme tem o Ramtha que merece...
00:30:05
"Cientificamente falando" importa sim. Quanto maior a coisa (na verdade é uma questão de massa não de volume) maior a força necessária para movê-la, atraindo ou não. É assim que funciona a segunda lei de Newton, essa sim uma lei da natureza. Agora se estamos falando da lei da Atração e não da lei de Newton, então... tudo bem... só que não estamos mais falando cientificamente.
00:30:16
Isso é o mesmo que dizer que uma criança cresce com "esforço zero" e se você já teve que colocar comida na mesa de um adolescente em fase de crescimento sabe que não é verdade.
Mas calma lá! crescer é um processo que ocorre naturalmente não é? assim como a grama cresce de forma vagarosa mas certa (dadas as condições certas de solo, água e luz) nenhum adolescente precisa se dedicar ao ato de fazer crescer seu esqueleto, não é?
O problema é que ao usar a palavra "esforço" no sentido de "empenho", ou "dedicação", "O Segredo" está antropomorfizando o universo (atribuindo a ele características humanas). É o filme repetindo o velho truque de misturar os significados das palavras e embaralhar metáfora com sentido literal, como já fez com "lei", "atração", "frequência" e fará daqui a pouco com "energia".
No final, esta foi mais uma tentativa de convencer o espectador de que ele pode obter qualquer coisa sem nenhum esforço. Note também que pela primeira vez surge no filme a menção a um design, o que implica na existência de um designer, um projetista, do universo. Isto se repetirá algumas vezes mais.
00:37:30
Nós já passamos por isso antes, este é exatamente o mesmo argumento usado em "What a Bleep Do We Know". Na parte 3 daquele Guia Cético eu mostrei que existe uma enorme diferença quantitativa nas áreas do cérebro que são acionadas quando imaginamos alguma coisa e quando estamos realmente diante desta coisa (o que faz com que filmes gnósticos como "O Vingador do Futuro", "Vanilla Sky" e "13o andar" permaneçam no campo da ficção científica).
00:38:00
Mais uma vez "O Segredo" manipula a verdade. Leia de novo, agora com a frase inserida no contexto original:
É possível ver que Graham Bell não estava exaltando nenhuma força sobrenatural, mas exaltando a perseverança, a obstinação e o trabalho duro, aliás completamente o oposto do que "O Segredo" vem pregando.
Uau! Rhonda Byrne conseguiria usar uma frase de Ghandi fora de contexto para defender a supremacia branca num documentário neo-nazista. Ela é boa assim.
00:41:15
Aqui "O Segredo" separa os vencedores dos losers entre aqueles que aplicam a lei da atração e os que não a aplicam.
Este pensamento não é apenas maniqueísta. Ele é cruel. Como disse o blog Skpetic, você olharia nos olhos de cada um dos seis milhões de judeus momentos antes de serem exterminados e lhes diria que eles atraíram para si mesmos a humilhação, o sofrimento e finalmente a câmara de gás? Você explicaria para os familiares das vítimas dos recentes acidentes áereos no Brasil que não foram os erros humanos, a incompetência e a ganância criminosas, mas sim os pensamentos (de todos eles, de alguns ou de apenas um dos passageiros?) que os vitimou? Porque eu duvido que mesmo o fã mais ardoroso de "O Segredo", aquele que mal pôde esperar o filme terminar para começar a contemplar mentalmente seu carro novo e sua TV gigante de tela plana, possa sustentar que uma criança desnutrida não vive a "magia da vida" só porque é incapaz de contemplar mentalmente sua comida.
Por enquanto é só pessoal. Na terceira e última parte deste Guia veremos os trechos em que "O Segredo" fala sobre como aplicar a Lei da Atração à saúde, ao meu ver os mais manipulativos e nocivos de todo o filme.
Terceira Parte >>
Não que algum argumento de "O Segredo" tenha sido particularmente desafiador. Foi justamente o contrário. Comparado a "What a Bleep Do We Know", que fazia um bom trabalho tentando se disfarçar de documentário científico, "O Segredo" trata a ciência de forma tão infantil que na maior parte das vezes eu me via sem saber nem como começar a rebater as alegações do filme. Era como ter que explicar que não é um anão dentro da máquina de coca-cola que conta o dinheiro e coloca as latinhas na fenda.
Além disso, enquanto "Quem Somos Nós" possuía um certo charme de filme trash que ajudava a tornar, digamos, curiosa, a experiência de assistí-lo (o hilário sotaque lemuriano de Ramtha, os efeitos especiais de propaganda de shampoo, as células com olhinhos e boquinhas sendo dizimadas por um bombardeio de peptídeos etc.),"O Segredo" é exatamente tão interessante quanto pode ser uma convenção da AmWay ou da Herbalife (o que deve te dar uma boa idéia de quão insuportável foi assistí-lo até o fim).
Bem, mas a missão está cumprida. No final das contas acabei extrapolando um pouco e comentando não só as enganações científicas mas também os problemas éticos que "O Segredo" levanta. Com isso esta continuação acabou ficando muito maior do que eu gostaria. Como pensando bem não existem muitas "dulogias" famosas por aí, achei uma boa idéia quebrar o post em duas partes mais. A boa notícia é que a terceira parte já está praticamente pronta e sai logo em seguida.
Vamos então a segunda parte do Guia Cético para Assitir a "O Segredo".
00:03:32
"O Segredo é a resposta para tudo o que foi, tudo o que é e tudo o que será."
Ralph Waldo Emerson
Ralph Waldo Emerson, poeta e ensaísta americano famoso no século XIX pelos seus discursos abolicionistas, está para a literatura de seu país mais ou menos como Castro Alves está para a nossa. Quem vê uma figura literária do seu porte citando o Segredo assim, tão explicitamente, é até capaz de acreditar no causo do segredo ancestral desenterrado por Templários que foi transmitido só a alguns iniciados até ser acobertado por uma conspiração malvada.
O problema é que tudo indica que Emerson nunca disse as palavras acima. Se você fizer uma busca na internet verá que todo mundo que atribui a frase à Emerson cita "O Segredo" como fonte.
Por exemplo, Julia Rickert, jornalista do jornal on-line Chicago Reader, foi uma das que procurou a fonte original da frase de Emerson. Depois que nem mesmo os especialistas na obra de Emerson conseguiram ajudá-la, Julia decidiu contactar a editora de "O Segredo" e perguntar de onde Rhonda Byrne havia tirado a citação. Tudo o que conseguiu, além de uma mensagem padrão isentando a editora da responsabilidade pelo conteúdo do livro, foi a promessa de que a questão seria endereçada à autora.
Ou Rhonda Byrne descobriu alguma obra inédita de Emerson enterrada sob uma pirâmide durante todo o último século, ou ela simplesmente inventou a frase.
00:03:38
"Você provavelmente está sentado aí pensando "O que é o Segredo"? Eu vou lhe dizer como eu vim a entendê-lo. Todos nós estamos submetidos a uma força infinita. Todos nos guiamos exatamente pelas mesmas leis. As leis do universo são tão precisas que nós não temos nenhuma dificuldade para construir naves espaciais que levam pessoas à Lua. E nós podemos dizer a hora do pouso na Lua com a precisão de uma fração de segundo. Não importa se você está na Índia, Austrália (...) [uma lista enorme de países], todos nós estamos submetidos a uma única força, uma única lei: A Atração. O Segredo é a Lei da Atração."
Aqui o sr. Bob Proctor afirma que a lei da atração é uma lei da natureza, tão precisa e prevísivel quanto a lei da gravidade. Aparentemente o gancho para essa alegação extraordinária é simplesmente o fato de que ambas têm o nome de "lei".
Uma lei da natureza é uma representação simples, geralmente matemática, de um comportamento da natureza. Por exemplo, a lei da gravidade diz que os corpos se atraem com uma força proporcional às suas massas e inversamente proporcional ao quadrado da distância entre eles. Essa é uma lei da natureza porque os físicos acreditam que ela é universal e imutável (e obviamente independente da existência humana). É assim que devem ser as leis da natureza.
Mas nem tudo o que tem o nome de "lei" é uma lei da natureza. Por exemplo, nas outras áreas de conhecimento você pode chamar de lei qualquer regra empírica que pareça se aplicar com uma certa (e maleável) regularidade. Assim temos, por exemplo, a lei de Moore segundo a qual "a cada dois anos a capacidade de processamento dos microprocessadores dobra", e a lei da oferta e da procura que diz mais ou menos que "quanto menor a oferta e maior a demanda de um produto mais caro é o preço cobrado por ele". Mas é claro que estas não são leis no sentido estrito que a ciência lhes dá, afinal ninguém espera que elas sejam universais nem atemporais, e isso vale também para a lei da atração.
Tudo bem, você está disposto a reconhecer que a lei da atração não é uma lei da natureza só porque tem a palavra "lei" no nome. Mas e daí? será que a lei da atração realmente não é previsível o suficiente para ser comparada a uma lei da natureza (o que afinal de contas é o quer provar o filme)? Bem, se tudo o que eu disse sobre os furos da lei da atração na primeira parte deste Guia não foram suficientes para responder esta pergunta, talvez a gente possa tentar uma outra abordagem. Para isso vamos pensar numa outra lei muito parecida com a lei da atração: a lei de Murphy.
A lei de Murphy diz que "tudo o que pode dar errado vai dar errado no pior momento e de maneira que cause o maior dano possível" e cá entre nós, ela "funciona" muito melhor do que a lei da atração (ou vai dizer que seu computador nunca deu pau quando você mais precisava dele? ou que justamente nos dias em que você esquece o guarda-chuva caem as maiores tempestades!?). E se a lei de Murphy não atrai coisas, como a lei da gravidade, pelo menos se encarrega de fazer como que as torradas sempre caiam com a manteiga para baixo... (aplicação de um corolário da lei de Murphy conhecido por "gravitação seletiva" que faz com que as coisas caiam de forma a causar sempre o maior estrago possível).
Tanto a lei de Murphy quanto a lei da atração nos dão a sensação de que "funcionam" porque temos a tendência de colher seletivamente os exemplos da sua eficácia (o tal "wishfull thinking"). Enquanto na lei da atração geralmente pinçamos as casualidades fortuitas e os desejos realizados para nos convencer que ela dá certo, na lei de Murphy é quando as coisas dão errado apesar de todos os nossos esforços, que a lei se confirma uma vez mais (aí só resta usá-la como desculpa: "sabe como é chefe... é a lei de Murphy...").
Oposta na finalidade mas igual no mecanismo, a lei da Murphy é apenas uma gozação global com a mania humana de enxergar padrões onde eles não existem. Por outro lado sua nêmesis, a lei da atração, aspira ser equiparada a uma lei da natureza...
00:06:11 [atualizado]
"O que a maioria das pessoas não percebe é que um pensamento tem uma freqüência. Nós podemos medir um pensamento. É como se você estivesse pensando uma mesma coisa repetidamente, ou como se você estivesse imaginando ter um carro novo em folha, conseguir o dinheiro que precisa, encontrar sua alma gêmea. Quando você faz isso está emitindo aquela freqüência. Pensamentos estão enviando aquele sinal magnético para fora da sua mente e este sinal está atraindo o sinal correspondente de volta para você. Veja a si mesmo em abundância e você vai atrair isso para você. Funciona sempre e funciona com qualquer pessoa."
Aqui "O Segredo" nos dá duas opções, ambas incorretas é claro: ou o filme fala em sinal magnético querendo dizer na verdade sinal eletromagnético (como uma onda de rádio, por exemplo, opção reforçada pela associação com a palavra "freqüência"), ou se refere mesmo a um campo magnético, o que é meio difícil de entender já que os campos magnéticos atraem o seu oposto, como fazem os imãs, não o seu semelhante -- como teoricamente faria a lei da atração. Como tudo é possível tratando-se desse filme, vamos analisar as duas opções.
Primeiramente é preciso esclarecer a diferença entre uma onda eletromagnética e um campo magnético. Um campo magnético é um campo de forças distribuído no espaço que faz, por exemplo, com que os pólos opostos de um imã se atraiam. Agora, quando um campo magnético e um campo elétrico oscilantes se propagam juntos no espaço (perpendicularmente um ao outro) dão origem a uma onda eletromagnética, como as ondas de rádio e a luz visível por exemplo. Fisicamente falando, uma onda eletromagnética não atrai coisa alguma só porque tem "magnética" no nome; em vez disso ela carrega energia, como no caso da luz solar.
Um pensamento é uma reação química que produz eletricidade, e como toda corrente elétrica, produz um campo magnético na sua vizinhança (por isso mandam a gente desligar os aparelhos eletrônicos no avião). Só que o campo magnético produzido pelo cérebro é tão pequeno que só pode ser medido por um dispositivo extremamente sensível numa sala completamente blindada contra interferências magnéticas. Para ser mais exato o campo magnético produzido pelo cérebro é 10 bilhões de vezes menor que o campo magnético da Terra e como sua intensidade é inversamente proporcional ao quadrado da distância da fonte, ele decai rapidamente à medida que se afasta do cérebro, tornando desprezível o que já era ínfimo. Por isso não há sentido prático em dizer que um pensamento envia "um sinal magnético para fora da sua mente".
00:12:19
"Eu quero dizer, eu não estou falando somente do ponto de vista de a-cre-di-tar-só-por-que-rer, ou i-ma-gi-na-ção... lou-cu-ra... [Fred soletra estas palavras com muitas caras e bocas] Eu estou falando do ponto de vista de um conhecimento mais profundo. A física quântica realmente começa a apontar para esta descoberta: ela diz que você não pode ter o universo sem a mente fazendo parte dele. A mente está na verdade moldando as coisas que percebemos."
Aqui Fred Allan Wolf aparece fazendo seu papel de ligar o Segredo à Física Quântica.
O trecho poderia ser apenas uma sobra ruim das gravações de "What a Bleep Do We Know" (já devidamente refutado no nosso outro Guia Cético) se não fosse por um detalhe engraçado. Em "What a Bleep" Fred se projetava como um velhinho gente boa, sempre sorridente, o tipo de sujeito que a gente adoraria que ensinasse física para os nossos filhos. Mas em "O Segredo" ele parece ter decidido adotar a tática de que o ataque é a melhor defesa. Neste trecho por exemplo, ele se antecipa aos seus críticos e soletra com deboche e muitas caretas as palavras "wishfull thinking", "imaginary" e "craziness".
Ou seja, "No more Mr. Nice Physicist"...
00:12:55
"Veja, se você não entende uma coisa não significa que você deve rejeitar essa coisa. Você não entende direito a eletricidade. Antes de mais nada, ninguém nem sequer sabe o que é a eletricidade. Assim mesmo você se beneficia dela. Você sabe como ela funciona? Eu não sei! Mas eu sei o seguinte: você pode fritar a comida de uma pessoa com eletricidade e você também pode fritar a própria pessoa com ela."
Ai, ai... Não engula essa conversa fiada. Nós conhecemos a eletricidade muito bem, o suficiente para construir fogões e cadeiras elétricas e também células solares, geradores, microprocessadores, supercondutores, motores elétricos, televisões, rádios, telefones, iPhones, aparelhos de raios-x... preciso continuar?
00:13:28
"Duas coisas das quais você precisa estar ciente. Primeira: está provado cientificamente que um pensamento afirmativo é centenas de vezes mais poderoso que um pensamento negativo."
Este homem é um visionário. Não, sério, esta é a credencial dele; está escrito "Visionário" ali, logo abaixo do seu nome.
Mas o Visionário é na verdade um Embromador. Juntou a palavra "cientificamente" com termos calculadamente imprecisos (o que é um pensamento "poderoso", afinal?) e não disse absolutamente nada. O pobre espectador não entende nada porque não tem nada mesmo para entender, mas sai com as palavrinhas "provado cientificamente" na cabeça...
00:13:41
"Você vive numa realidade em que há um buffer de tempo. E isso funciona a seu favor. Você não quer viver em um mundo em que seus pensamentos se manifestam imediatamente."
Esse discurso acompanha a cena em que um sujeito vê a figura de um elefante em um cartão postal, pensa na coisa por alguns segundos (provavelmente desejando ter o bicho para si) e o animal se materializa bem na sua frente. Seria engraçado se eles não estivessem falando sério...
A rídicula cena responde a uma pergunta que o filme faz aqui pela primeira vez: se a lei da atração é uma lei da natureza e como tal funciona sempre e para qualquer um, por que os pedidos não se materializam imediatamente depois que pensamos neles?
Para isso, "O Segredo", oferece duas explicações (diferentes) e a primeira delas é esta aqui: o universo possui um "buffer de tempo" que atrasa a entrega do pedido até que seja mais conveniente recebê-lo. Afinal, imagine que desagradável seria pensar em um elefante e o paquiderme se materializar na mesma hora na sua sala de estar? (eu posso pensar em umas duas dúzias de exemplos mais embaraçosos do que esse, a maioria envolvendo alguma situação sexual...).
É ou não é a coisa mais estúpida que você já viu num comercial desde aquela propaganda do sofá inflável Air-O-Space?
Só para início de conversa não é assim que um buffer funciona. Um buffer é um reservatório que tem a finalidade de acelerar o acesso ou manter constante o fluxo de alguma coisa; uma caixa d'água por exemplo, ou o mecanismo anti-choque dos CDs de carro (eles mantém armazenados alguns segundos adiante da música para que não haja pausas no caso de um chacoalhar mais violento). Tudo bem, eu sei que isso é apenas picuinha. O problema real é que é bastante óbvio que esta é apenas uma rídicula explicação ad hoc (um "remendo") para explicar porque a lei da atração não se comporta como uma lei da natureza mesmo que insistam que ela é uma. Tanto que ao final do filme eles oferecerão uma outra explicação completamente diferente para o motivo da lei da atração demorar ou mesmo nunca funcionar.
00:14:53
"Nós vivemos em um Universo onde há leis, assim como a Lei da Gravidade. Se você cair de um edíficio não importa se você é bom ou mau, você vai atingir o solo. Tudo o que cerca você em sua vida, incluindo as coisas das quais você reclama, você atraiu. (...)"
Aqui "O Segredo" tenta nos convencer que a lei da atração, como uma boa lei da natureza, é tão "impessoal" quanto a lei da gravidade. Ou seja, para conseguir realizar seus desejos você não precisa ser bom, habilidoso, estudioso, competente, esforçado... Para o universo você é apenas um corpo de massa m; ele não quer saber se você é um corpo de massa m bonzinho e esforçado.
E onde você leu "Trabalhe" no trinômio "Peça, Acredite e Receba" mesmo?...
00:17:33
"O que eu estou atraindo agora mesmo? Como eu me sinto? Me sinto bem? Então continue fazendo o que você está fazendo!
"Nossos sentimentos são o feedback para saber se estamos alinhados ou não, se você está no curso certo ou não. Quanto melhor você se sentir mais alinhado está [com o universo]. Quanto pior você se sentir, mais desalinhado está."
Isso é tudo o que queriam ouvir vizinhos espaçosos, fumantes abusados, pessoas que sentem prazer em dirigir perigosamente, viciados em drogas, pedófilos, terroristas ansiosos pelas virgens de seios fartos do paraíso islâmico, serial killers que simplesmente curtem matar e basicamente qualquer outro tipo de ser humano que sinta prazer às custas da infelicidade alheia e não cultive nenhum remorso por isso. Continuem o bom trabalho pessoal.
00:20:13
"Você cria seu universo à medida que percorre seu caminho."
Winston Churchill
Essa a Rhonda Byrne não inventou; Churchill realmente escreveu isto em sua auto-biografia "Minha Mocidade". Mas vejamos o que dizia o parágrafo completo de onde o trecho foi extraído:
"Alguns de meus primos, que têm a grande vantagem de serem educados em universidades, costumam me provocar com argumentos para provar que nada existe de verdade, a não ser as coisas que pensamos. Toda a criação não passa de um sonho; você cria seu universo à medida que percorre seu caminho. Quanto mais forte sua imaginação mais diverso é seu universo. Quando você pára de sonhar o universo deixa de existir. Estas divertidas acrobacias mentais são boas para se brincar. São inofensivas e sem utilidade nenhuma. Eu aviso aos meus jovens leitores para só tomá-las como uma brincadeira. Os metafísicos sempre terão a última palavra e desafiarão vocês a demonstrar o absurdo de suas proposições."
Ou seja, Churchill estava dizendo justamente o oposto do que prega "O Segredo"! Não é irônico? Agora, graças a "O Segredo", milhões de esotéricos enaltecem a Lei da Atração citando Churchill, sem saber que na verdade ele ridicularizava este tipo de pensamento metafísico.
00:25:18
"Se você fizer uma pequenina pesquisa verá que todos aqueles que já conquistaram algum feito não sabiam como o fariam, apenas sabiam que conseguiriam."
Claro. Esqueça todo o estudo e planejamento minucioso. Quando Amir Klink se prepara para mais uma travessia pelo Atlântico ou outra circunavegação ao redor da Antártica ele apenas joga aleatoriamente alguns mantimentos e cartas geográficas pelo primeiro barco que vê e parte. Do resto cuida a Lei da Atração...
Neste ponto tem início a história do menininho que ganha uma bicicleta do pai aplicando a Lei da Atração. O garoto recorta uma foto da bicicleta dos seus sonhos e olha para ela todos os dias. Leva a foto para a beira do lago, para a escola, para debaixo da colcha e olha, olha e olha. O menino não pensa num plano para juntar dinheiro e comprar a bicicleta; talvez trabalhar meio expediente engraxando sapatos ou cortar a grama do vizinho ou fazer uma rifa... ele só... olha. Até que um dia o Universo surge paternal à sua porta com seu objeto do desejo em mãos.
A moral da história é clara, mesmo porque vem sendo martelada desde o início do filme: você não precisa se esforçar para conseguir o que quer. Basta contemplar obssessivamente o objeto do seu desejo e o universo o providenciará para você.
Apenas por curiosidade Esther Hicks, que aqui faz sua principal participação no filme (participação removida da segunda edição devido à desentendimentos a respeito do marketing de "O Segredo") é uma médium. Ela diz que seus livros são psicografados por um "espírito coletivo" (não, não me pergunte...) denominado Abraham. Cada filme tem o Ramtha que merece...
00:30:05
"Tamanho não importa para o Universo. Não é mais difícil atrair, cientificamente falando, algo que consideremos grande do que algo que consideremos infinitesimalmente pequeno."
"Cientificamente falando" importa sim. Quanto maior a coisa (na verdade é uma questão de massa não de volume) maior a força necessária para movê-la, atraindo ou não. É assim que funciona a segunda lei de Newton, essa sim uma lei da natureza. Agora se estamos falando da lei da Atração e não da lei de Newton, então... tudo bem... só que não estamos mais falando cientificamente.
00:30:16
"O Universo faz tudo o que faz com esforço zero. A grama não se esforça para crescer, ela cresce sem fazer força. Este é o grande design."
Isso é o mesmo que dizer que uma criança cresce com "esforço zero" e se você já teve que colocar comida na mesa de um adolescente em fase de crescimento sabe que não é verdade.
Mas calma lá! crescer é um processo que ocorre naturalmente não é? assim como a grama cresce de forma vagarosa mas certa (dadas as condições certas de solo, água e luz) nenhum adolescente precisa se dedicar ao ato de fazer crescer seu esqueleto, não é?
O problema é que ao usar a palavra "esforço" no sentido de "empenho", ou "dedicação", "O Segredo" está antropomorfizando o universo (atribuindo a ele características humanas). É o filme repetindo o velho truque de misturar os significados das palavras e embaralhar metáfora com sentido literal, como já fez com "lei", "atração", "frequência" e fará daqui a pouco com "energia".
No final, esta foi mais uma tentativa de convencer o espectador de que ele pode obter qualquer coisa sem nenhum esforço. Note também que pela primeira vez surge no filme a menção a um design, o que implica na existência de um designer, um projetista, do universo. Isto se repetirá algumas vezes mais.
00:37:30
"O que é interessante sobre a mente é que você pega um atleta olímpico e o prende a um equipamento sofisticado que mede sua resposta biológica. E ao fazer com que imaginem estar disputando uma prova, incrivelmente os mesmos músculos são acionados, na mesma seqüência que se estivessem competindo pra valer. Por quê isso é assim? Porque a mente não consegue distinguir quando você está realmente fazendo algo ou quando é só imaginação."
Nós já passamos por isso antes, este é exatamente o mesmo argumento usado em "What a Bleep Do We Know". Na parte 3 daquele Guia Cético eu mostrei que existe uma enorme diferença quantitativa nas áreas do cérebro que são acionadas quando imaginamos alguma coisa e quando estamos realmente diante desta coisa (o que faz com que filmes gnósticos como "O Vingador do Futuro", "Vanilla Sky" e "13o andar" permaneçam no campo da ficção científica).
00:38:00
"Que força é essa eu não sei. O que sei é que ela existe".
Alexander Graham Bell
Mais uma vez "O Segredo" manipula a verdade. Leia de novo, agora com a frase inserida no contexto original:
"Eu havia colocado na cabeça que ia encontrar o que estava procurando, nem que isso custasse o restante da minha vida. Depois de inúmeras falhas, eu finalmente encontrei o princípio que estava procurando e fiquei surpreso por sua simplicidade. Outra coisa que descobri com minha busca é que que quando um homem se dispõe a produzir um resultado definitivo e finca o pé nesta disposição isso parece lhe conferir uma segunda visão, que o habilita a ver através dos problemas comuns. Que força é essa eu não sei. O que sei é que ela existe e fica disponível quando um homem está naquele estado mental no qual ele sabe exatamente o que quer e está totalmente determinado a não desistir enquanto não o alcançar."
É possível ver que Graham Bell não estava exaltando nenhuma força sobrenatural, mas exaltando a perseverança, a obstinação e o trabalho duro, aliás completamente o oposto do que "O Segredo" vem pregando.
Uau! Rhonda Byrne conseguiria usar uma frase de Ghandi fora de contexto para defender a supremacia branca num documentário neo-nazista. Ela é boa assim.
00:41:15
"A única diferença entre as pessoas que realmente estão vivendo dessa maneira [em abundância] e as pessoas que não estão vivendo a magia da vida é que as pessoas que estã vivendo a magia da vida se habituaram a pensar dessa maneira [aplicando a lei da atração]. Elas se habituaram ao processo e a magia acontece onde quer que elas vão."
Aqui "O Segredo" separa os vencedores dos losers entre aqueles que aplicam a lei da atração e os que não a aplicam.
Este pensamento não é apenas maniqueísta. Ele é cruel. Como disse o blog Skpetic, você olharia nos olhos de cada um dos seis milhões de judeus momentos antes de serem exterminados e lhes diria que eles atraíram para si mesmos a humilhação, o sofrimento e finalmente a câmara de gás? Você explicaria para os familiares das vítimas dos recentes acidentes áereos no Brasil que não foram os erros humanos, a incompetência e a ganância criminosas, mas sim os pensamentos (de todos eles, de alguns ou de apenas um dos passageiros?) que os vitimou? Porque eu duvido que mesmo o fã mais ardoroso de "O Segredo", aquele que mal pôde esperar o filme terminar para começar a contemplar mentalmente seu carro novo e sua TV gigante de tela plana, possa sustentar que uma criança desnutrida não vive a "magia da vida" só porque é incapaz de contemplar mentalmente sua comida.
Por enquanto é só pessoal. Na terceira e última parte deste Guia veremos os trechos em que "O Segredo" fala sobre como aplicar a Lei da Atração à saúde, ao meu ver os mais manipulativos e nocivos de todo o filme.
Terceira Parte >>