19.2.06

Em uma galáxia muito, muito distante...

Foi na década de 70 que a ufologia começou a flertar com a espiritualidade. Em plena onda new age os alienígenas deixaram de ser vistos como ameaçadores homenzinhos verdes e começaram a ser retratados como seres iluminados muito preocupados com os problemas da humanidade. Sempre que podiam os extraterrestres tentavam nos alertar sobre nossos problemas mais preementes como a corrida armamentista ou a destruição das florestas. Teriam sido realmente úteis se tivessem nos avisado naquela época sobre a AIDS, o aquecimento global ou o buraco na camada de ozônio...

O cruzamento da espiritualidade com a ufologia gerou diversas seitas estranhas. A mais lembrada será sempre a seita Portal do Céu liderada por uma maluco que conseguiu convencer dezenas de pessoas a ir deste mundo para outro melhor de carona em um cometa, como se a vida fosse uma música do Balão Mágico. Mas no quesito extravagância há certamente espaço para a Igreja da Cientologia, criada pelo escritor de ficção científica mais traduzido em todo o planeta: L. Ron Hubbard, e frequentada por algumas das maiores estrelas de Hollywood como Tom Cruise e Jonh Travolta.

L. Ron Hubbard, circa 1970.Segundo Hubbard, há 75 milhões de anos atrás um ditador alienígena chamado Xenu, que faria o Dart Vader parecer uma criança fantasiada para o Halloween, decidiu resolver o problema da superpopulação de seu planeta dopando bilhões de habitantes com uma mistura de alcóol e glicol, sequestrando-os e transportando-os em naves muito parecidas com aviões comerciais DC-8s até o planeta Teegeeack, conhecido por nós como Terra. Aqui chegando, os 13.5 bilhões de excluídos foram amontoados ao redor de vulcões e bombardeados com bombas de hidrogênio. Os corpos físicos dos extraterrestres foram destruídos, mas não suas almas, agora chamadas de Tethans, que foram coletadas por uma espécie de aspirador galáctico de almas e levadas para um colossal cinema, onde foram forçadas a assistir durante 36 dias a um filme tridimensional que lhes implantou falsas memórias à respeito de Deus, Jesus e o Diabo.

As pobres almas penadas, desencarnadas, e agora desmemoriadas, passaram então a vagar pela Terra reunindo-se em grupos de milhares e encarnando coletivamente aqui e acolá nos poucos corpos sobreviventes às explosões. Estes encostos grupais, conhecidos por Tethans corporais, estão por aí até hoje e, segundo os cientologistas, são os grandes responsáveis pelos problemas do homem moderno assim como por boa parte de nossas lembranças: Hubbard diz que nossos cinemas na verdade foram inconscientemente construídos à imagem e semelhança das salas de projeção utilizadas por Xenu na lavagem cerebral dos Tethans (é preciso reconhecer que poucas religiões têm respostas para questões tão específicas quanto a arquitetura das salas de cinema). Quanto a Xenu, os cientologistas acreditam que ele foi eventualmente derrotado pelas forças do bem e jaz aprisionado em uma montanha por um campo de força alimentado por uma bateria que dura para sempre.

Este Antigo Testamento cientológico você não vai encontrar no site oficial da Igreja da Cientologia. Os cientologistas somente têm contato com a história de Xenu quando atingem os mais altos níveis dentro da seita, em uma cerimônia secretíssima que acontece a bordo de um iate. Mas há alguns anos atrás a história vazou para a internet e daí para o Washington Post. A igreja reagiu e processou o jornal, não por falsidade ideológica, mas por violação de copyright, confirmando que a história era verdadeira.

Sempre que confrontados com a história de Xenu os cientologistas argumentam que seus ensinamentos foram tirados de contexto para fazê-los parecer rídiculos. Eu discordo. Se você pensar bem não há nada de especialmente ridículo na história de Xenu e dos Tethans, ou se há, outras religiões não parecem ter percebido. Eu poderia argumentar que a história de um ditador alienígena exterminando seu povo com armas de destruição em massa e submetendo-os à propaganda religiosa não é tão mais improvável que a maioria dos dogmas católicos, como a ascenção da virgem por exemplo. Mas tratando especificamente do cruzamento entre ficção científica e espiritualidade há exemplos tão extravagantes como os de Hubbard que vêm sendo divulgados há muito mais tempo sem um pingo de medo do rídiculo. E eu poderia nunca descobrir isso se, enquanto planejava este post, não tivesse me deparado com a seguinte manchete de capa da revista Universo Espírita deste mês:
Exilados de Capela.
Recentes descobertas científicas e informações mediúnicas comprovam a saga de espíritos banidos para a Terra.
Graças a esta revista descobri que os espíritas também possuem sua própria mitologia criacionista alienígena e que esta é muito mais antiga que a da Cientologia. A saga sci-fi espírita está descrita em livros psicografados por médiuns, sendo o mais famoso deles o do espírito Emmanuel que escreveu em 1932 "O Caminho da Luz - A história da civilização à luz do espiritismo". Basicamente o que diz Emmanuel é que certa vez em uma galáxia muito, muito distante, alguns milhões de espíritos rebeldes foram vítimas de uma "ação de saneamento", ou seja, foram expulsos de seu planeta e exilados na Terra para "prosseguir sua evolução". Emmanuel escreveu:
"Aquelas entidades que se tornaram pertinazes no crime, aqui na Terra longínqua aprenderiam a realizar, na dor e nos trabalhos penosos do seu ambiente, as grandes conquistas do coração e impulsionar, simultaneamente, o progresso dos seus irmãos inferiores"
Se não estou enganado foi mais ou menos o que aconteceu quando Portugal esvaziou suas prisões enviando seus espíritos indesejados para as colônias brasileiras. Aliás deve ser este o motivo antropológico para os brasileiros se identificarem tanto com o espiritismo.

Continuando, Emmanuel nos conta que estes espíritos inconvenientes em seu mundo porém muito mais evoluídos que os primitivos terrestres, encarnaram na população branca do nosso planeta, dando origem a quatro grupos: as castas da Índia, os arianos, os antigos egípcios e os hebreus, estes o povo mais evoluído de todos -- tanto que criaram a primeira religião monoteísta do mundo, explica a revista. Junto com os capelianos vieram a ciência, a religião, a filosofia e as artes, e também suas paixões pela guerra, seu egoísmo e orgulho. Estes espíritos evoluídos, e brancos, deram início a grandes transformações nas civilizações antigas, o que a revista chama de "salto evolutivo que a ciência não explica", e povoaram os continentes perdidos de Atlântida e Lemúria.

Ambas as religiões (embora a cientologia não seja considerada oficialmente uma religião em alguns países e o espiritas reneguem o rótulo na maioria das vezes) buscam o credenciamento da ciência. Mas ambas erram o alvo: a cientologia só consegue ser uma space opera ruim, roteiro imaginário de um filme que seria ainda pior que um dos piores filmes de todos os tempos: justamente "A Reconquista" baseado em um romance de Hubbard e estrelado pelo cientólogo John Travolta. Já o espiritismo procura uma vaguinha na ciência e só encontra lugar na pseudoarqueologia datada dos livros de Erich Von Däniken.

1.2.06

Fenômenos Tímidos

Gosto muito de um filme chamado "Mystery Men", ("Heróis muito Loucos", em português). É sobre um grupo de super heróis de segunda categoria que tem que salvar o mundo quando o super boa pinta Capitão Estupendo cai nas garras de seu arqui-inimigo, Casanova Frankenstein. O grupo é composto pelo Sr. Furioso, que tem o poder de ficar muito, muito bravo; o Rajah Azul, um mestre na arte de atirar garfos; o Escavador, bem... um exímio escavador -- "Deus me deu um talento, eu cavo muito bem"; o "terrivelmente misterioso" Sphinx, guru da equipe, que só fala por chavões que poderiam muito bem ter sido tirados dos livros de Paulo Coelho ("Aquele que questiona o treinamento somente treina a si mesmo em questionar"); o escatológico Baço, capaz de abater seus inimigos com sua super fedorenta flatulência (lembre-se de que esta é uma comédia americana); a Jogadora de Boliche, cuja arma é uma bola de boliche encrustada com o crânio de seu pai; e finalmente o meu favorito: o Garoto Invísivel, que tem o espetacular poder de ficar invisível, mas só quando ninguém está olhando.

O Garoto Invísivel é formidável. Imagine se você pudesse ficar invisível quando quisesse bastando para isso usar a força do seu pensamento. Mas com uma condição: no momento em que alguém olhasse em sua direção você se tornaria imediatamente visível de novo. Lá se vão suas chances de lutar contra o crime e espiar os vestiários femininos. Há poucas chances também de que você consiga convencer a humanidade, pelo menos os mais chatos, digo, céticos, como eu, de que realmente possui algum poder extraordinário.

É incrível mas há muitas pessoas entre nós dotadas de habilidades quase tão extraordinárias quanto as do Garoto Invisível, mas incapazes de prová-las ao mundo. Enquanto lutam por reconhecimento, estes incompreendidos super seres aproveitam para ganhar algum dinheiro escrevendo livros e realizando palestras motivacionais para pessoas que simplesmente aceitam sua palavra sobre seus dons supernaturais. Um destes super coitados é o famoso paranormal húngaro/ austríaco/ israelense Uri Gelller.

Uri Geller fez carreira nos anos 70 e 80 entortando colheres em shows de televisão, supostamente usando apenas a força do pensamento. Na verdade Uri Geller tornou-se tão famoso neste ofício que conseguiu transformar o ato de entortar talheres em sua marca registrada. Pois em quem você pensou naquela cena de Matrix, em que Neo visita o Oráculo e toma lições de um garotinho careca enquanto ele dobra uma colher flutuante com a força da mente ("There is no spoon")? Uri Geller lembrou-se dele mesmo, tanto que disponibliza a cena em seu site.

Mas destruir talheres com a força da mente era só a face mais popular dos poderes de Uri Geller. Geller também alegava ser capaz de ler pensamentos, descobrir minerais escondidos (diz ter ganhado uma fortuna trabalhando para mineradoras e companhias de petróleo), influenciar o resultado da loteria (embora não tivesse interesse em ganhar, dizia), apagar fitas magnéticas (mas já lutou com um entrevistador impertinente uma vez pela posse do gravador) e até transmutar metal comum em ouro usando a força do pensamento (não podia garantir que fosse ouro, mas que era um metal amarelo era...).

A única coisa que Geller nunca conseguiu, a despeito de seus poderes, foi convencer a comunidade científica de suas habilidades paranormais. Em 1972 Geller foi testado por um comitê de cientistas e o resultado foi publicado na conceituada revista Nature dois anos depois. O resultado não agradou Geller:
"Eu entortei algumas colheres mas isso não foi bom o bastante para eles (os cientistas). Cientistas querem provas conclusivas sob condições controladas em laboratório. E a resposta é muito simples: quando estou sob pressão eu não consigo usar meus poderes. Mesmo com os fenômenos com os quais estou mais habituado. Se eu estou no palco eu não estou sob pressão e as coisas acontecem. Em outros locais importantes, elas acontecem também. Mas em um laboratório, quando eu gostaria que elas acontecessem, é muito difícil para mim."
O problema de Geller, como o de outros super seres do mundo real, é que seus poderes sofrem do que os céticos chamam de "timidez". Fenômenos tímidos são aqueles que se manifestam esplêndidamente em tendas ciganas, igrejas evangélicas ou num auditório com a Luciana Gimenez, mas quando você tenta documentá-los em um ambiente controlado como o laboratório de um cientista, puf!, desaparecem rápidos como smurfs. Pode ser a conjunção errada dos astros, má vontade das entidades invisíveis, bloqueios de energia, baixo astral, stress, falta de fé... não adianta, quando alguém realmente olha para você com atenção, você não consegue ficar invisível. (Outro super ser com poderes tímidos era o Paulo Coelho, que dizia em entrevistas que podia fazer chover onde e quando quissesse. Da última vez que eu chequei ainda havia gente morrendo de sede no sertão nordestino. Tsc, tsc, "grandes poderes trazem grandes responsabilidades" sr. Coelho).

É o que acontecia vez por outra com Uri Geller. Em meados dos anos 70, Geller foi ao Tonight Show, o mais famoso Talk Show daquela época, apresentado por John Carson. Carson, que já tinha sido mágico e de bobo não tinha nada, selecionou ele mesmo o material que seria usado por Geller em sua demonstração. Ao perceber a manobra Geller ficou visivelmente transtornado e esquivou-se de fazer qualquer demonstração dizendo que não estava num "bom dia" e que se sentia pressionado demais para conseguir usar seus poderes. O programa é antológico e pode ser conferido aqui, e aqui em uma versão mais completa (eu estava disposto a legendar o filme, para torná-lo acessível a mais gente, mas isso acabou se revelando mais difícil do que eu pensava). Aqui está ele, cortesia do google video:



Como todo super humano, Geller tem um arquiinimigo: o mágico profissional e cético, James Randi. Randi não clama ter super poderes como os do Capitão Espantoso, mas também é chamado de "Amazing" por seu trabalho desmascarando charlatães e paranormais de araque (aliás, como fazem bons mágicos desde que Harry Houdini começou a desmascarar espiritualistas no século 19). Por duas décadas Randi esteve nos calcanhares de Geller desmitificando e fazendo troça de cada um dos seus alegados poderes (que considerava no mesmo nível dos truques ensinados nas caixas de cereais). Encurralado, Geller fez o qualquer super ser faz no mundo real: foi aos tribunais. E perdeu. Perdeu cada uma das ações que moveu contra Randi e outros inimigos que diziam que seus poderes era falsos (e também contra a Nintendo por ter criado um personagem de Pokemon inspirado nele). Pagou 20.000 dólares à editora Prometheus, que publicava os livros de Randi, e mais 120.000 ao CSICOP (Comitee for Science Investigation of Claims of Paranormal).

Como demonstram seus fiascos nos tribunais e nos laboratórios, os poderes de Geller, assim como os do Garoto Invisível são tão tímidos quanto inúteis. Afinal se o objetivo é entortar colheres e outros objetos míudos, um pouco da boa e velha força muscular é mais eficiente do que uma incerta força do pensamento que vai e vem conforme a lua. O dia em que Geller começar a ler a mente dos juízes de suas causas, entortar vergalhões de aço ou fizer flutuar um caça X-Wing como o mestre Yoda, então suas habilidades paranormais estarão servindo para alguma coisa. Como super herói, por enquanto, Geller estaria mais para o mágico fora de moda Mandrake do que para o Capitão Espantoso.

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